FERNANDO ANDRADE – Achei muito interessante o seu formato de crônica. O cronista escolhe um tema para abordar e apenas resvala seu eu em suas anotações do cotidiano. Você usa sua persona(gem) para falar do seu universo cultural-afetivo. Partindo de um pressuposto que temos muitas auto-ficções circulando por aí, é muito interessante este seu trajeto(ria) em se auto-analisar por um viés cronístico .Fale um pouco disso.
TARCÍSIO – Caro Fernando. Uma vez eu falei lá em casa que eu queria ser escritor. Eu tinha uns catorze ou quinze anos; e escrevia umas coisas no meu diário e jogava fora depois. Uma vez inventei de escrever um romance, “A casa mal assombrada”. Acho que escrevi umas quatro ou cinco páginas. Ficou um merda e então parei com o sonho de ser escritor (risos). Foi somente em 2008 quando voltei de uma viagem mal sucedida pela Europa (fiquei detido durante 17h no aeroporto de Heathrow em Londres e em seguida me enviaram pra Lisboa e depois pra Salvador). Daí resolvi criar um blog, o On The Rocks, pra dar dicas literárias e musicais, e falar um pouco sobre minha vida (memórias). Era uma espécie de diário também, como a maioria dos blogs. E sempre partia do ponto de vista autobiográfico. Já morando em São Paulo (vim pra cá em 2011) compilei textos do On The Rocks e do La Verga Del Buenas, outro blog que tive, pra publicar no meu primeiro livro “18 de maio, quanto tens por dizer…”, que saiu de forma independente pelo selo Buenas Books. E assim meus textos passaram a ter este perfil unindo momentos da minha vida com minha paixão pela música. A música na maioria das vezes é o ponto de partida.
FERNANDO ANDRADE – Seu texto parte ou bebe de uma literatura que fala do mundo dos gostos-gozos, partindo de um núcleo individual, como se a tessitura do texto partisse primeiro do individual para assim falar do coletivo. Ecos dos autores da contra-cultura americana, com aquela linguagem bem afetante e coloquial. Esta e tua filiação literária?
TARCÍSIO – Sim. Eu pirei no final dos anos oitenta quando li pela primeira vez “Alma Beat”, um livro de ensaios de escritores e jornalista brasileiros sobre a beat generation. Adoro Kerouac e a turma toda. Em seguida, foi a vez de Henry Miller, Rimbaud, Bukowski, Patti Smith, Caio Fernando, Cortázar e John Fante, entre outros, e nunca mais fui o mesmo.
FERNANDO ANDRADE – Vida e obra, criação e autoria ( seu sobrenome é ficcional?) parecem circular por entre suas crônicas, se pensarmos que somos os critérios do que escolhemos para curtir tanto num som, quanto livro, ou até numa pessoa que escolhemos para amar.
TARCÍSIO – Meu nome é Tarcísio Nascimento Santana. Buenas é apelido que foi dado por uns amigos ali por volta de 1994/1995. Costumo dizer que sou “Di Buenas” (risos). Mas este apelido só veio pegar mesmo depois que comecei a discotecar nos bares de Salvador em 2004. Eu assinava DJ Buenas.
FERNANDO ANDRADE – Qual seria? um bom balizamento entre ser um dono de uma livraria e ser um leitor-escritor. São posições não um pouco excludentes? Penso no leitor e escritor como um ser desejante ao máximo, um consumidor desenfreado, e já um dono de livraria.
TARCÍSIO – Ser dono de livraria só veio a somar; a conhecer cada vez mais escritores, escritoras e poetas que nunca ouvi falar. Montei a Buenas Bookstore, a única livraria que funciona na madrugada paulistana (Rua Frei Caneca, 384), em 2013. Minha vida gira em torno da livraria: relação com pessoas; leituras diárias; escritos nem tanto diários. Acordo tarde, por volta das 13h/14h, tomo café e já enfio a cara no livro. De noite na livraria também. Tô sempre dedicando a minha vida à literatura qua-se que tempo integral.
FERNANDO ANDRADE – Bares e etilismo sempre foram os motes ideais dos autores da narrativa ou da poética. Como esta boêmia te alimenta nas suas criações-ficções?
TARCÍSIO – Olha, eu bebo cerveja todos os dias de noite. É como tomar café quando acordo. Um ritual. É um troço que tá inserido na minha vida. Na ficção. Acho que seria monótono a minha vida sem a livraria e a cerveja ao lado me fazendo companhia em meio aos livros e discos.
FERNANDO ANDRADE – Cite sem pensar muito suas referências para escrever este livro? Fluxo de consciência, não pode pensar muito!
TARCÍSIO – Discos que marcaram o meu passado. Ou alguma música em especial. E sempre escrevo ouvindo música. Como pra responder esta entrevista ouvindo “I’m still in love with you” do Al Green.
Fernando Andrade – escritor, poeta, parecerista, jornalista e crítico de literatura. Autor de 4 livros, o mais recente “Perpetuação da espécie” [Penalux, 2018]
Be the first to comment