Livro de crônicas o ladrão de maçanetas com leveza e humor media olhares sobre alteridades sociais
Apesar do tamanho breve e de conto vencer por nocaute e parecer quase com uma represa com suas águas contidas mas, prontas à alguma revolta, sempre achei a crônica aquele tipo de membro da família que não casou, mas que sabe tudo, do mundo, das relações dialógicas entre homens, entre até animais. É a pessoa que traz para dentro do núcleo um entendimento muito individual e singularizante, pois não está afetado por interesses à dois, três, quatro. A crônica teria esta capacidade do homem só de puxar assunto, para dentro do seu universo, e ter ao mesmo tempo uma sinceridade de leveza ao dar o tom da ironia ou do escárnio, do riso solto sem compromisso com envoltórios nucleares.
Engraçado, não penso numa crônica coletiva escrita a não sei quantas mãos. Tantas mãos metidas neste bolo, acho que desandaria a massa, o tempero fundamental da escrita que é a solidão do olhar sobre a contenda. Quase uma briga, consigo mesmo? É o que vejo quando leio um volume de crônicas e percebo mais lendo este volume que tenho em mãos agora, O ladrão de maçanetas, do R.O. Ostronsky, da editora Penalux. A vida como ela é ou vida modo de usar seria um imenso salão ou palco onde as vontades reinam soberanas sobre as outras. Onde os interesses são um pouco, uma correnteza levando a tudo e a todos. O cronista aqui é aquele que individualiza o foco de cada parte, de cada elemento, fazendo dele estudo.
Em contos com A balança e seu QI, onde temos um abóbora no supermercado onde ela precisa ter a sua massa devidamente considerada, não levando aí quesitos de descompensação tanto humana quanto maquínica. R.O Ostronsky bota o eixo aqui não do comportamento em si, mas sim das suas relações sociais medidas ou quantificadas pelo uso da ironia do sarcasmo. Botar a abóbora de forma certa é avaliar o peso da relações humanas em núcleos até bem partidários.
Mas não só de críticas vive o ato crônico da observação. No texto A kiss to you, temos a ação da empatia com os eventos do dia a dia revelados pelo olhar cúmplice do autor retratista. Uma cena de um guardador de carros detalhada em sua mais plena afetividade com o entorno do qual ele é um sólido participante. A crônica aqui parte ou deixa de ser aquele tio solitário para ele tio se volatizar no perfume-tecido-social de forma completamente imersa.
A crônica também pode se voltar à questões de estilo e de gêneros com a própria gestão literária. Ostronsky faz isso muito bem no texto Cruzada, assumindo a relação do texto de observação para suas próprias relações dialógicas entre fatos históricos e situações tomando o conto A casa tomada do Julio Cortazar, criando um efeito intertextual interessante onde o autor embaralha a questão das pistas literárias e da questão da apropriação de motes e temas que puderam sugerir “influência” sobre o que é origem e cópia num texto literário? O desdobramento deste texto propriamente se dá na crônica O ladrão de maçanetas onde o autor de maneira levemente irônica desenvolverá o enredo do personagem que ao entrar em ambientes cercados de literatura inopinadamente fica na mão com as maçanetas do entra e fecha literário.
Cotação: Muito bom
Fernando Andrade – escritor, poeta, parecerista, jornalista e crítico de literatura. Autor de 4 livros, o mais recente “Perpetuação da espécie” [Penalux, 2018]
Fico feliz com a generosidade do escritor e crítico literário Fernando Andrade com que analisou “O ladrão de maçanetas”, minha primeira aventura como cronista. É bastante importante essa visão do crítico, pois há na obra duas crônicas que eu gostaria de poder descartar e é justo ali que Andrade cita “o ato crônico da observação”, tempero caro que demorei seis anos para aprender a usar nas oficinas literárias da Fundação Cultural de Curitiba. Obrigado Fernando!