“pisaram escravizadas nas pedras deste chão”três poemas de adriano lobão aragão”

 

OURO PRETO
[adriano lobão aragão]

as pegadas esculpidas no tempo
pisaram escravizadas nas pedras deste chão
subiram por estas ladeiras

carregando nos ombros o peso
da devoção dos fidalgos
entre serras e morros uma cidade é semeada

dividida em dízimos e senzalas
uma cidade demarcada pela arte
avessa aos espaços vazios
dividida em entalhes de madeira e pedra sabão
que ouviram os sussurros de inconfidentes
que ouviram os suspiros de marília
e a condenação de um alferes e sua descendência
as pegadas esculpidas no tempo

desceram à escuridão destas minas
no mínimo espaço abaixo da sobrevivência humana
abrindo novos caminhos com os próprios ossos
a dor abafada nas entranhas da terra
em busca de minérios para adornar a riqueza alheia
onde tudo que é belo se prepara no sangue

 

 

BANCA DE REVISTA DA PONTE DO MAFUÁ
[adriano lobão aragão]

ainda permanece
não se sabe até quando
o que restou da banca de revista
da ponte do mafuá

feito monumento
do que gradualmente
é abandonado pelo tempo
permanece entregue ao relento
entregue à lembrança de meninos antigos

do ciclo contínuo da turma da mônica
à espada selvagem de conan
superaventuras marvel 17
e heróis da tv 58
tudo encontrava abrigo
entre páginas e quadrinhos
entre mãos ávidas e olhos atentos
e todos os universos fixados
eternamente em tinta e papel

 

 

JATOBÁ DO PIAUÍ
[adriano lobão aragão]

interrompe o silêncio da campina
a marcha do gado tangido pela estrada
ruminando seus passos
diante do voo das garças espantadas

pertence ao silêncio das veredas
o trinado de passarinhos
sabiá bigode galo de campina
buscando pelo chão seu pasto
e ao menor rumor ganham novamente
o céu ou os galhos que se ofertam em abrigo
se mistura ao silêncio

o cheiro do campo após a chuva
o verde reaceso na superfície das folhas
enquanto ao longe é possível escutar
a proximidade do gado conduzido pelo aboio

 

 

Adriano Lobão Aragão nasceu em Teresina, Piauí, em 1977. Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Piauí. Professor de língua portuguesa do Instituto Federal do Piauí. Em 1998, através do Concurso Novos Autores, recebeu o Prêmio Cidade de Teresina pelo livro Uns Poemas, publicado no ano seguinte pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Em 2005 publicou Entrega a Própria Lança na Rude Batalha em que Morra.
Seu livro Yone de Safo foi agraciado em 2006 com prêmio Torquato Neto instituído pela Fundação Cultural do Piauí. Publicou ainda as cinzas as palavras (2009) e, em 2012, lançou seu primeiro romance, Os intrépidos andarilhos e outras margens (Nova Aliança). Em 2019, editou a segunda edição de sua poesia reunida Os tempos e a forma, incluindo os livros Entre áridos anseios dispersos (2017) e Ainda havia carambolos nos muros (2019).
Atualmente, é um dos editores da revista eletrônica dEsEnrEdoS.

 

 

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This Article Has 1 Comment
  1. Roberto Monteiro Reply

    Gosto. Meio raro, entre tantos poemas existencialistas, metidos a papo cabeça, encontrar escrita simples, que vem de uma e vai para outra. Alma.

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