a vontade é de engolir borboletas
despetalar suas asas com a boca e
sentir o gosto leve do seu voo
no estômago vontade ainda maior
é de beijar a lagarta por dentro
da sua quentura senti-la comer
as trincas dos meus lábios como se
fossem uma folha verde e nua quero
também desbravar o traçado da
mariposa com meus olhos ficar
cego do teu pó quero o corpo aberto
como uma ferida quase incurável
deixar o orvalho das horas molhar
cada milímetro da minha carne
ter os ossos do crânio se movendo
como se fosse um formigueiro em brasas
e abraçar cada estranho que cruzar
o meu caminho me entregar ao sol
desejando a chuva a fim de espalhar
todas as vidas que um dia viveram
em mim de hoje em diante prometo o
silêncio não perguntar como está
nem dizer bom dia boa tarde ou noite
como se criasse a maior mentira
do mundo e assim quem sabe me isentar
da culpa de ligar mais uma vez
sob o pretexto de que precisamos
novamente colorir absurdos
tu
um sujeito escaleno
uma rima branca brusca
uns contornos sem aviso
umas quinas sem esquinas
abrigo
que seja assim um abrigo
onde pés e mãos se cruzam
mar e sol se miram em
miragens faísca e nuvens
seja assim a sinfonia
que se quebra em tornozelos
que se torna o zelo por
joelhos cheios de terra
um amigo que no peito
abriga um abraço enquanto
a noite escurece no
leito escuro de um afago
Fábio Pessanha é poeta, doutor em Teoria Literária e mestre em Poética, ambos pela UFRJ. É autor do livro A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos e coorganizador do livro Poética e Diálogo: Caminhos de Pensamento. Assina a coluna “palavra : alucinógeno” (https://viciovelho.com/palavra-alucinogeno) na Revista Vício Velho e o blog Propriedade do Irreversível (http://propriedadedoirreversivel.blogspot.com.br).
Tem poemas publicados nas revistas eletrônicas Diversos afins, Escamandro e Ruído Manifesto, além de participar como ensaísta em livros e periódicos.
Be the first to comment