Fernando Andrade entrevista o poeta Leonel Delalana Júnior

 

FERNANDO ANDRADE Teus poemas lidam com o som da repetição mas com uma semântica se batendo num lindo exercício dialético de sentidos. Como é isso, rapaz? Duelar tão bem forma e conteúdo.

LEONEL DELALANA JÚNIOR – Cara, pra mim é natural, quer dizer, acho que é. Confesso que não penso muito nisso não, o conteúdo desenha a forma de forma que quando percebo já está ali arquitetonicamente instalado, matéria prenhe que preencheu espaços, a forma se fez no processo dessa fermentação e estão prontos (forma e conteúdo) para um reparo e outro. No entanto, em outros momentos a forma se constrói nos devaneios ou direto na página do computador, com suas ferragens, seu arcabouço, delineando sua ossatura, sua estrutura de arames invisíveis que vão martelando conteúdos

na forma
de uma fôrma
untada.

 

FERNANDO ANDRADE  – Há uma interessante liberdade do percurso do poema. O leitor não faz ideia de onde suas imagens plurissensíveis podem puxar este trem bom do verso. Coesão e liberdade trocam carícias o tempo todo! Fale disso.

LEONEL DELALANA JÚNIOR – Oba, você me deu uma imagem boa, “o trem”, que não é fantasma, não é o da morte, nem o das onze e não está descarrilhado, mas articula em flerte descarado com todos, acarinha as curvas acentuadas, passa a mão no veludo dos estofados e queima a língua no aço da caldeira, pega na mão da menina e na do marmanjo e se apresenta: olá, sou o maquinista-anarquista vem comigo, não tenham medo, o caminho é seguro, se bem que, nem sempre existem trilhos, mas fiquem tranquilos, os vagões estão todos conectados (isso é retórica, às vezes, não estão não) e seguem trotando, livres.

a soldadura dos trilhos
dando liberdade
ao trem

 

FERNANDO ANDRADE –  A linguagem coloquial parece ser a chave deste buraco da fechadura onde a linguagem bem libertária pode ir atrás de muitas polissemias. Ai te pergunto: descontração e rigor, quem vence por nocaute este duelo?

LEONEL DELALANA JÚNIOR – Fugi do duelo lá da primeira. Embora tenha tentado um tiro certeiro. Mentira! Essas duas afirmações são falsas, pois gosto mesmo é de retesar o arco, errar o alvo e sair correndo atrás da flecha. Bem… peguei um trem no caminho e eis que nesta estação levo um cruzado no queixo, mas não me queixo não, vamos lá. A descontração sempre vem primeiro, mesmo na tensão do grito, e nesse caso, a rigor o rigor é o respiro para distensionar a descontração. É um duelo sem nocaute, embora o rigor seja mais severo, pegue mais pesado, o cara não relaxa, perturba, enche o saco, aí me descontraio, desoprimo-me e o abandono no ringue, e o troco por uma cerveja na cara dura, mas o tal não desiste, é especialista em descontraídos, chega sorrateiro, cheio das artimanhas (nisso é igual à descontração) e te arrasta mais uma vez ao labor.

o rigor se revigora
no ringue
que delimitou

 

FERNANDO ANDRADE – Você parece que trabalha suas referências como um bom mestre cervejeiro. Lúpulo e cevada em concentrações equilibradíssimas, como canção e letra. Fale disso.

LEONEL DELALANA JÚNIOR – Querido Fernando, são suas lentes, você é uma cara generoso, tanto é, que fala em termos de lúpulo e cevada, desta maneira não posso ser deselegante contigo e me esquivar de responder sua derradeira questão como se estivesse em absoluto desequilíbrio etílico. Não estou! Pelo menos nesse exato momento que lhe respondo estou pleno de mim.
Cara, pra mim é natural, quer dizer, acho que é. Confesso que não penso muito nisso não (ctrl c e ctrl v do início da 1ª com o charme do itálico), se há esse equilíbrio que você diz, é devido o treino (talvez) do paladar, do tato no teclado, dos olhos nos livros, no mundo que se oferece desde o café da manhã ao travesseiro na madrugada, no desespero que a existência causa, no horror e na beleza de experimentar a vida, desse medo e despreparo descomunais que somos, do respiro necessário, do ouvir urgente, o que quero dizer é que o mundo, referência que molda nossa visão e nos obriga a debruçar sobre ele, às vezes, nos impele, nos pede desatinos no papel, se impõe. E nesse treino talvez consigamos algum equilíbrio estético, de repente, até um trem azul num lindo exercício dialético de sentidos.

pode ser isso
muito mais que isso
ou apenas vanidades

 

 

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