Livro de poemas Íntimo da casa faz da cal e cinzela uma carnadura do existir na memória

por Fernando Andrade

 

Cair num poço onde o tempo esqueceu do momento exato da fundura. Onde tudo que armazena pode ser apenas lapsos do tempo.

O poema não mede a distância da trave ao pé do chão. O poema ainda não terminou de olhar suas fundações, mesmo que suas vigas, que toda palavra dê sustentação a arquitetura dos vãos e silêncios do silenciado ar da casa. Ter uma colheita de presenças, aqui no tempo, narrativo do livro, falar do momento que as pessoas talvez não estejam mais de corpo presente.

No livro Íntimo da casa, do poeta J.A.Castro, editora Penalux, há uma nítida sensação sufocante de desterro, mas que a voz postulante que não sabemos ser o pai, ou algum tipo de consciência que se desdobra num discurso metafórico, e imagético, uma antiga ocupação da casa, com relação à sua intimidade, com não só tipo de moradores, locatários, mas há uma afinidade ou estranhamento com relação aos tipos de afetos que ali faziam morada.

Castro, em nove suítes, ou compartimentos, onde pela ação toda maleável em imagens poéticas que parecem sair do limo de uma pedra submersa numa torrente d’água. Todo um fino enredo, muito sutil, devido ao esgarçamento de seu fio condutor, ligando, tempo, colheita, viagem, e própria sensação de desconforto.

Aqui penso, na interdição de um possível ente que palavrou a primeira palavra de sujeição ou governo, sob a ótica tanto de uma profunda anemia anímica com o entorno tanto do corpo quanto da casa, a fundação requer colheita constante de luz, rega, têmpera. Mas há um nome que se pronuncia, no decorrer do ventre do livro, como uma súplica, ou um novo abandono, Neuza, parece estar sendo sublinhada por estios de névoa e sol.

A casa já foi morada de muitos livros geniais, como Vermelho amargo, de Bartolomeu campos de Queiroz, e o mais conhecido do escritor, Raduan Nassar, como Lavoura Arcaica. Uma das questões da literatura é saber qual? Corpo rege a fantasia do homem, sua condição humana torneada por corpo físico ou a alvenaria do levantar do chão, aquilo que nos suprime a vergonha de nossa feiura perante o levante do sol e abaixar da noite, a casa seria apenas esta cortina ou retina, que nos dá o véu das coisas?

cotação: muito bom

 

 

 Fernando Andrade

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Crítico literário, poeta e escritor, autor de 4 livros. O seu trabalho mais recente é Perpetuação da espécie  [Editora Penalux,  2018].

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