Livro de poemas Alguma coisa sempre esteve para acontecer leva o poema ao jogo lúdico com relação da interpretação diante do mundo, decodificado ou não.

 

Leïlay Accioly,  em seu primeiro livro de poemas Alguma coisa sempre esteve para acontecer, pela editora  Chiado, cria um mosaico de leituras da carta de Tarot indo da carta Louco Até o arcano Mundo. Para cada iconografia imagética ele compõe três tipos de poemas-baladas, com uma costura tão cheia de bossa cinematográfica quanto tessituras musicais, em cada linha de verso a verso.  O mundo tanto das coisas mundanas e urbanas.

Passam pelo olhar da poeta, com rimas e ritmos, sinestésicos e melódicos.  Há quem pense que a poeta retire da imagem uma iconografia própria de uma narrativa apenas arquetípica dos arcanos que ora simbolizam, morte, fortuna. Na verdade, a poeta, costura suas linhas de olhar o mundo à volta mas não de forma literal, como fosse apenas fazer uma leitura crônica de seus devaneios cotidianos. Leïlay está mais interessada em usar o baralho da cartas como um fractal de sentidos que dormem pelo uso tanto da metonímia quanto da metáfora. O som dos versos correm solto pela linha torturante da página do livro. É como se a poeta desdobrasse sua biografia, em jogos de cenas, em blocos carnavalescos, onde palavra e som, ritmo e prosódia, unem-se em harmonia estonteantes.

Sua colagem lembra os dadaístas, ou surrealistas, que criavam pelo avesso da lógica do sentido. Na verdade, a poeta usa a forma para questionar tipos de conteúdo, porque a mensagem em tantos meios e na própria poesia precisa ser decodificada em leitura simples. Mexer na forma, seria, juntar leitor e autor num jogo comum, interativo, onde a noção de mensagem até seja reposta como meio, mexemos numa gravação, num arquivo onde dados são trocados ou embaralhados de lugar, até porque a relação de colocar cartas, estabelece ordem muito ligadas ao acaso, a dinâmica da mãos numa ordem de tirar a narração de lugar, recolocá-la em ordem inversa, ou aleatória.

A ideia do som, da rítmica da grafia, a semelhança das sílabas, esta torção da língua, também pode ser um tipo de jogo combinatório com acaso. Neste sentido, o trabalho da poeta me lembra as pesquisas com os lapsos verbais, a dinâmica do trocadilho, forçando o sentido à espiralar-se em quase um núcleo de DNA.  

 

 

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Fernando Andrade – Crítico literário, poeta e escritor, autor de 4 livros. O seu trabalho mais recente é Perpetuação da espécie  [Editora Penalux,  2018].

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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