Pensemos no título: Memórias secas de um aqualouco e outros poemas. Visualizemos esta legenda como um letreiro luminoso que se apresenta tal como um convite ao teatro. Entremos. Separe as “Memórias secas” e observe o “Aqualouco”. Um sujeito empedernido por suas memórias secas? Ou um indivíduo mentecapto movido pelo afã de provar-se único?
O poeta Jean Narciso Bispo Moura, autor de Memórias Secas de Um Aqualouco & Outros Poemas (Beco dos Poetas & Escritores, 2011), nos apresenta seu personagem – o qual chamarei de Quem-, dentro de sua mimese, ou imitação (para os mais canônicos) poética, estruturada dentro dos versos autofágicos.
Quem de nós, no transcorrer dos dias que nos resseca a memória, permite-se a imersão – mesmo que efêmera – na ilusão do inventar? Quem é capaz de reconstruir um mundo performático, estando em silêncio, ou à beira de um salto? Aristóteles (385 a.C), dispõe-se a tratar a Poética como narrativas necessárias à excelência e beleza, isto, em síntese, é a criação poética. Faz parte da criação poética de Quem a representação humana do aqualouco provido de vícios e virtudes. A comunicação virtuosa do aqualouco leva-os a um vício: a do delírio. “A cigarra é onomatopeia indolente”.
Vejo, no livro de Jean Narciso Bispo Moura, uma condensação do desespero à proporção da consciência do eu, como apontou Kierkegaard em “O desespero humano”. Temos um Quem envolvido em esperança e desespero, ambos reais e imaginários.
“O aqualouco passa em oração as mãos na face
Os dedos na água choram a tristeza de não ter tempo
De se arrepender do salto dado”.
Ainda dentro da luz de Kierkegaard, o aqualouco, apresentado por Jean, apresenta-nos a fórmula do desespero, que é o libertar-se de si mesmo, desesperar de si mesmo.
“O aqualouco diante de sua piscina
Diante do azul
Reflete o interesse pelo pulo
E o medo de ser o que é”
A natureza de Quem, o delírio, o anseio e a lucidez niilista do aqualouco, reúne dentro de si a produção, a fabricação da Poiésis, que, segundo o filósofo Benedito Nunes, significa um fabricar que engendra, uma criação que organiza, ordena e instaura uma realidade nova, um ser.
Memórias secas de um aqualouco & outros poemas, é um dos primeiros livros de Jean, que àquela altura, já se mostrava um grande poeta, um verdadeiro representante daquela que é uma das mais admiráveis artes: a poesia.
Jean Narciso Bispo Moura construiu uma obra em torno do indivíduo, do Quem. Uma obra que é bela, que agrada o ver e o ouvir (junte tudo isso e resuma em ler). A poesia contemporânea possui a salvaguarda, possui suas “Memórias secas de um aqualouco e outros poemas”.
Douglas Oliveira – Escritor e editor da Folheando, autor do livro de contos Deus e o peixe-voador.
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