3 RETRANCAS SOBRE UMA TRAGÉDIA BRASILEIRA
(01 a 03 /05/2018)
RUÍNAS
Nunca fora um problema seu:
as centenas de miseráveis
que ocuparam, na vizinhança,
o antigo prédio inabitável;
na sólida e imponente igreja,
erguiam louvores a Deus;
até que num maldito incêndio
no inferno ao lado, foi ao chão
o templo; coube ao reverendo
lamentar na TV, atônito,
o prejuízo arquitetônico.
(Em 01/05/2018, dia em que desabou, em São Paulo, um prédio ocupado por sem-tetos, derrubando também uma centenária igreja luterana.)
RICARDO “TATUAGEM”
Homem-Aranha azul, sem teias:
Ricardo, vulgo Tatuagem,
abraçando o edifício em chamas,
fez a penúltima viagem;
foi sem dublês e maquiagem
que, ao vivo, vimos sua coragem
derretida pelo dragão
de aço e mau concreto; a cena,
toda em câmera lenta, não
custou caro, pois voo de pobre
é grátis, seguro não cobre.
PAES DE ALMEIDA
Certamente não era a paz
do Senhor, como a que reinava
na igreja ao lado, nem a paz
sonolenta da madrugada;
muito menos paz de mosteiro
ou paz de mansão de ex-prefeito;
a paz de Almeida era um mistério:
algo entre céu e inferno, corpo
e alma sem teto ou cemitério,
paz sem elevador, fugaz:
no Paes, só de Almeida era a paz.
(Wilton Paes de Almeida era o nome do prédio que desabou.)
Newton Messias nasceu na Bahia, em 1973, mas vive em Recife, Pernambuco, desde criança. Tem formação em Música e leciona violão clássico no Conservatório e no Centro de Educação Musical de Olinda. Em 2018, participou da Antologia Brasileira da Retranca, pela Mondrongo. Este é o seu segundo livro.
O livro “Em Mar Alberto:101 retrancas”, que será lançado pela editora Mondrongo em março próximo, é uma homenagem ao poeta pernambucano Alberto da Cunha Melo, criador da forma fixa que apelidou de Retranca. No volume, o poeta navega por temas que vão da política brasileira às belezas naturais do Nordeste, levado pela embarcação de 11 versos em octossílabos rimados da forma (brasileiríssima) albertiana.
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