“a casa parece que levitava” – Três poemas de Vera Lúcia de Oliveira

 

(do livro Minha língua roça o mundo, Editora Patuá, São Paulo, 2018)

 

nasci de uma aranha
que me fisgou por dentro
com seu fio de visgo
que defende a greta
aberta na madeira

o brilho felpudo
enlaçou meu pulso
e aprendi ali

que toda beleza
tem custo

 

 

***

no beiral da casa
faziam ninhos as andorinhas
dali partiam rasantes
num diz-que-diz-que de bicos
a casa parece que levitava
de pios e ninhos
em atropelo

tem dias que achava
que o telhado ia levantar voo

 

 

***

memória é medo
que se entreva
entre as teias
do corpo
memória é osso
sem carne
que cobrimos
da melhor forma
possível
para que não
sangre

 

 

Vera Lúcia é poeta, ensaísta e professora de Literatura Brasileira na Universidade de Perugia (UNIPG – Itália). Recebeu diversos prêmios pela produção literária, entre os quais o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras (2005), o Prêmio Literatura para Todos (Brasília, 2006) e o Prêmio Internacional de Poesia Pasolini (Roma, 2006). Escreve em português e em italiano e tem poemas publicados em vários países. Entre os livros: Geografia d’ ombra, 1989; Poesia, mito e história no Modernismo brasileiro, 2015; A chuva nos ruídos, 2004; Verrà l’anno, 2005; Storie nella storia: le parabole di Guimarães Rosa, 2005; A poesia é um estado de transe, 2010; La carne quando è sola, 2011, Vida de boneca (infantil), 2013; O músculo amargo do mundo, 2014; Ditelo a mia madre, 2017; Minha língua roça o mundo, 2018.

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