“com olhos de cratera” – Três poemas de Gabriel Sanpêra

 
 

 
***

minha garganta
um viaduto atravessado
caído
despencado
e a atrofia no galo
que levou embora meu azar
num viaduto caído
e atravessado.
e nós brincando trocar segredos
a escorrer feijão.
minha garganta não é um viaduto
mesmo assim
peço que retire as mãos
deste viaduto.
viaduto caído
erguido
de casas acima
leva o nome dos donos da bala.
que condenam galo de tirar minha sorte
que condenam canto de trair a morte
que acompanham o osso dentro da garganta
acordando preguiçoso
que é preu me expressar.
viaduto caído
com engarrafamento no talo da garganta.
o viajante urbano
dorme repartindo o cansaço em horas seguras
de dormir no viaduto.
te pergunta
quando passa e cê faz demência na rebarba do intelecto dele:
– Quantos banhos de balde na falta de chuveiro você tomou
para encontrar quem amava?
– Quem é você, quando o papel acaba e só te resta
o problema privado na privada?
.

****

este balanço tombado
de atrapalhar meu tombo
de enguiçar criança e me fazer desistir de ser rua nas tardes.
este balanço tombado
na praça com outdoor e anúncio
este balanço sem um dos lados
tombados
que podia ser motivo preu sair da casa
e dar com os pés
os braços no vento.
este balanço tombado
na pracinha de encostar o corpo tem dia.
que antes era lugar que a gente brincava os minutos de chupar o bico.
e agora na janela
o balanço tombado faz aniversário junto a mim.
sua praça um canteiro de obras
um canteiro de guerras
um canteiro de luzes vermelhas piscando no holofote de encarcerar negro.
um canteiro de obras
um canteiro de guerras
no encontro das nações que eu cresci vendo ser facções
com suas dicções
e demonstrações debaixo de Sol e estacas de pipa.
um canteiro de obras agora
mas se me perguntarem
vou dizer que já brinquei
[ vou dizer que aquele balanço aguentava o meu corpo e não era tombado pro lado].

 

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This Article Has 1 Comment
  1. Haroldo Reply

    Poemas que me transporta no tempo e no espaço, que me faz criar janelas para que eu possa curiar e imaginar sobre sua fonte criativa, sobre seu universo de linhas, letras e histórias. Histórias, que se confundem em certos momentos com nossas memórias, e assim, rememorando nossas vivências.
    Obrigado!

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