Poema Cortado a Faca
Deixaste-me sem teu Sol
só restou a noite escura
mas sei que, depois da tempestade
sempre vem a claridade
não terei mais tuas noites de Sol
contentar-me-ei com o brilho da Lua
o crepitar do dia
estraçalhou meus sonhos
entre os dentes do cotidiano
esmigalhou meus ossos
regurgitou minhas crenças
vermes à espreita, ansiosos
pelos restos de meus desejos
sigo com meus olhos nus
e para todo lugar que olhe
enxergo sordidez humana
em estado puro
já não posso gritar que te amo
no céu de tua boca
a palavra de amor foi cortada a faca
fria tua voz anuncia pelo telefone
me deixa, quero estar só!
Deixar-te-ei na tua egoística solidão
és mais feliz sozinha
eu hei de aprender
a ser feliz comigo
que bom que me deixaste
hoje me conheço e me respeito
e me quero só
quero-me comigo
arranco-te de mim
esquecendo-te
não devo procurar-te
preciso livrar-me das coisas que me deste
quem sabe assim esqueço-me de ti
arranco-te de minha vida
quem sabe assim passa essa dor
de tua ausência, de tua falta
penso num poema
ao mesmo tempo em que penso
se há porque o escrever
penso na vida
ou no sentido que há
(ou, do que se disse que nenhum sentido há)
ao mesmo tempo em que penso na morte
como uma possível porta de saída
porém, não quero a morte
nem mesmo o fim de meus dias
quem sabe assim eu possa viver
na lembrança deste Amor
mas, o Amor
ah! O Amor
o Amor que não tive
o Amor que perdi
a falta de que me ame
a falta da tua presença
a falta do teu cheiro, teu beijo
a falta das tuas morenas carnes macias
é sempre essa falta
a falta da falta do que nem mesmo há de fazer falta
teu rosto está marcado na ponta de meus dedos
quando te quero enxergar não busco na memória
a memória é falha e imperfeita
te busco no meu tato
fecho os meus olhos
e toco nas minhas digitais
(que por certo são muito mais dignas de minha confiança,
posto que são somente minhas)
nas pontas de meus dedos trago gravada tua face
a leitura de teus olhos e de teus lábios
pergunto-me:
Por que tem que ser assim?
Por que o Amor tem que ser tão frágil, tão líquido, tão frio?
Por que me deixaste?
Tinhas de me deixar!
Para que eu pudesse sofrer
aprender a suspirar tua falta
aprender o quanto sou falho e o quanto te amava
aprender, aprender, aprender…
Mas não aprendo a te esquecer
com isso sou o pior e o melhor de mim
um moço lindo e querido
de ombros perfeitos e beijo com corte
o homem perfumado e gostoso
ou
o cara asqueroso, mal cheiroso
machista e violento
controlador e neurótico
sem banho e barba por fazer
sou o pior e o melhor de mim mesmo
tem dias me amo
tem dias me odeio
não posso me ver no espelho, pois tenho nojo
do que penso e do que sou…
não sei!
Quem sabe eu saiba
ou não saiba
entretanto, não me dou o direito de não saber
lamento muito, meu Amor
lamento pelo que tínhamos
e pelo que perdemos
e hei de lamentar até o fim de meus dias
o fracasso de nós dois.
Penso num poema
Penso num poema
como quem pensa
em uma cidade
pelas ruas apressadas
escorre toda a dor
por onde passam
amores voláteis
entre casas tristes
esfumadas lembranças
película insensível da vida
descortina tênue
vertigem de uma manhã fria
ensolaradas construções
feito órfãos carentes
por um abraço
avenidas que vêm
de lugar algum
indo para lugar nenhum
em desvãos de sonhos
que só encontram solidão
para atracar o descompasso
do desamor
calçadas enluaradas
esburacadas
pela falta de um verso
que revele qualquer
coisa na qual se possa acreditar
com seus andrajos
caminha a utopia
esgarçada pela ganância
que matou qualquer
perspectiva de um amanhã
digno para toda a gente
Poema Monossílabo
cá
dentro
no
meu
peito
cabe
nós
dois
ele
não!
Amarildo Veiga é Professor de Geografia atua há 13 anos em sala de aula nas Redes Municipais de Porto Alegre e São Leopoldo. Sua estréia na literatura foi com o conto a Princesa e o Escrivão, publicado na Revista da Atempa (Associação dos trabalhadores em educação do município de Porto Alegre) em outubro de 2015. Em 2017 foi lançada a plaquete poética Amor em Distopia (Leonella Editorial, 2017) e participou do livro Contos Contemporâneos 2017 (AGE Editora) resultado da oficina de criação literária do escritor Alcy Cheuiche. Em 2018 publicou o livro 4 fases de homem pela PUB Editorial. Publica regularmente na Revista Gente de Palavra de Porto Alegre.
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