“afiei o destino nas fivelas do tempo” – Três poemas de Assis Freitas

 

 

ensaio para o itinerário do vento

estou hoje obtuso como rio sem margem
desorientado no seu lento vagar
apoiado apenas no singelo horizonte
no traço tênue quase invisível
onde se perdem os lírios enamorados
estou hoje decididamente vadio de vazios
e o que corre no meu corpo não é sangue
há somente ar inflando-me como solidão

 

no segundo domingo de maio

eu te esperei como noiva
abençoada de versos
mas tu não vinhas
sequer em raios floresceste

no segundo domingo de maio
eu pus meu casaco mais bonito
afiei o destino nas fivelas do tempo
e almocei três estrelas da ursa maior

no segundo domingo de maio
eu já não tinha mais silêncio
para que cantasses dentro de mim

no segundo domingo de maio
todos os espelhos se partiram
para anunciar o caos em arco-íris
 

 

uma fábula iridescente sobre
a paisagem de nuvens

estou em ponto de orvalho
olhos de sublimação
é o lo não me deu
poder dos ventos
mas atiçou-me o
peito a ventanias

nas mãos carrego
esta fábula vazia
o cântaro seco
a flor em silêncio
enquanto fito o céu
e recito alegorias

 

José de Assis Freitas Filho é jornalista, escritor, sociólogo e mestre em Letras (Ufba), nasceu e mora em Feira de Santana (Ba). Três livros de contos publicados: O Mapa da Cidade (1998), O Ulisses no supermercado (2009) e “O ano que Fidel foi excomungado” (2012) dois de poesia “Poemas de urgência para súbitos desalinhos” (2012), “há um poema morto na sala” (2016); e o romance “A última travessia com a bela do ray-ban” (2015).

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