FERNANDO ANDRADE – Sua poesia parece que viceja estados do corpo tanto ativos-vivos quanto inertes-mortos. Qual relação a linguagem poética pode ter com o corpo eivado de nervos-feixes, tendões-tensões? E como foi pensado no seu livro?
CARLOS ORFEU – Os poemas do Nervura emergiram dos olhos, dos poros. Em cada olho há uma paisagem que se confirma no instante do espanto. Ver e ser parte da visão e de seu movimento é ser e sendo.
Em Nervura, a carne de cada poema é o enfrentamento do em Si com a existência.
FERNANDO ANDRADE – É muito interessante a forma como você trabalha o poema quase um legista, pois a relação da orgânica do corpo é muito parecida com a estética dos versos: cortes secos e curtos, talhando a carne da palavra. Para você esta carpintaria é feita por dentro das vísceras, dos extratos palavras-linguagem-poética?
CARLOS ORFEU – Imagino cada poema como um corpo que me habita pois meu corpo habita o
poema – a casa que respira pelos poros do meu imaginário. É uma dança de mordidas onde perde-se e ganha-se vísceras prazerosamente. Gosto do corte no poema, de ver o essencial desvelado.
FERNANDO ANDRADE – Como o rock gera em você uma performance do olhar poético, em que pulsação e ritmo a música te toma o corpo para escrever?
CARLOS ORFEU – Quando escrevo gosto da música do silêncio. Escrevo de janela aberta. Gosto de escutar a fala das folhas cerzidas pelos ventos. O som do instante. Mas, às vezes, escuto algumas bandas que fazem parte do meu imaginário poético, Joy Division, The Cure, The Sisters of Mercy, Bauhaus. Os clássicos do som dark, jazz e música clássica. Recolho da música outra pele para o poema. Um olho, um tímpano, outras fibras, outro coração. A vida e o tempo, que na música dança, ressoa em mim como parte da carne – como outra respiração do poema.
FERNANDO ANDRADE – A sexualidade entra nos seus poemas como nomes raízes do sexo-gêneros-vulva, sêmen. Como é vibrátil para ti esta organicidade do corpo que também para os psicanalistas – o sexo, na verdade, pode designar: corte. Fale disso.
CARLOS ORFEU – Escrever é sexual. Faz-se amor com a palavra – há sumo, seiva e sêmen escorrendo entre dedos. Quando encontramos o canto do orgasmo, o poema ergue-se em seu êxtase.
O poema existe e resiste na androgenia de dois sexos quando habitante dos corpos de homens e mulheres. Existe para falar aos corpos, da queda, do voo e do espanto.
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