a cabeça em Tróia
para o Pedro Eiras
se estiveres longe
a cabeça em Tróia
e tudo de certa forma
indecifrável à tua volta
como um mar forçando
os pulmões, repetindo
que não podes ficar
e partir é como a morte
suspirando entre as sombras
se não escolheste a morte
para lugar de vertigem
se erraste e a palavra
que disseste não trouxe
qualquer sentido então
volta ao princípio
o que importa
é o que disseres
submerso
é já longe de onde me falas
nada nos dirá
que foi daqui que vimos o mundo
ou aprendemos a dor de subir
a última manhã feita
sobre os nossos cabelos
o que disserem de nós estará certo
e será como uma luz junto aos olhos
para o lugar de onde me falas
e no entanto nada nos espera
apenas
o amor feito na escuridão das tendas
o lamber das borras do vinho
e uma garganta que se doira
ao despedir-se de ti
Ingeborg Bachmann
para o J. Carlos Teixeira
com o tempo o coração vai-se estreitando
e os homens já não passam
só pequenas coisas
um gesto repetido e gasto, um braço
acenando de Berlim até ao Porto
e que depois se despenha no mar
com o tempo o coração estreitando
sem que nos vissem a altas horas
agarrados à barriga, a um verso de Bachmann
porque é tudo a mesma coisa o meu
pé aquele cão o meu punho
o teu coração
a minha sombra alta o teu casaco azul
e uma cidade que nos olha incrédula
do alto de todas as horas
Bruno M. Silva nasceu em 1990, no Porto. Estudou Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Venceu a 17ª edição do concurso Aveiro Jovem Criador 2018 com o conto O Que São os Mortos?. Tem poemas publicados na revista Ler, na Enfermaria 6, na Tlön, na Gazeta de Poesia Inédita e no Jornal Universitário do Porto. Três dos seus poemas foram traduzidos para espanhol de forma a integrarem a antologia Lluvia oblicua. Poesía portuguesa actual, pela Valparaíso Ediciones.
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