“Há um vocábulo póstumo, móvel, cortante” – Três poemas de Amosse Mucavele

 

 

NAVEGAR É PRECISO

Ao asfixiar o choro na erecção do remo
Há um vocábulo póstumo, móvel, cortante
Que vibra na boca dos peixes,
Ininterrupta, a dor
Instaura a vela, a aprender a canção do vento
Ininterrupta é a dor
Que debica a bússola pelas plumas das gaivotas.

 

 

 

A CASA

Nomeei lugares/ onde se esparrama a ternura/ e estou só e comigo.
Jorge Luís Borges

retomo a
infância
com a memória que habita
a casa que me devolveu à luz

na sala, ergo o corpo do coração
quando tudo arde
e quando tudo arde
prolongo a polifonia das estórias contadas
em noites onde jaz a saudade

meus avós tinham cabelos brancos
a derramarem em ruínas da minha presença
um rio interminável a luzir
no madrigal cântico dos pássaros

 

 

 

NOTÍCIAS DO NEVOEIRO

Quando a noite tarda em voltar aos seus aposentos
Acordamos de olhos prostrados na enxurrada do escuro anterior
A manhã se serve de postas de chuva
À mesa construímos caminhos distantes da luz
onde os pratos crescem na fome da partida
Sem idioma, as gaivotas anulam o seu voo matinal

Lavra-se o dia na Costa do Sol
As amêijoas festejam no obscuro encanto
A linguagem da sua liberdade
Os passos dos pescadores esfumam-se,
Enlouquecem e estão a apontar o silêncio com os remos cerrados
sem força procuram a chave do horizonte furado
a medida das incertezas dos maziones

Na Catembe os barcos não circulam
Encalhados
acenam o dedo ao bailado das nuvens

 

 

 

Amosse Mucavele nasceu em 1987 em Maputo, poeta e jornalista cultural, coordenador do projecto de divulgação literária “Esculpindo a Palavra com a Língua”, foi chefe da redacção de “Literatas – Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona”, curador da Feira do Livro de Maputo (2016 e 2017), director editorial do Jornal O Telégrafo, Editor Chefe do Jornal Cultural Debate, Editor de Cultura no Jornal ExpressoMoz, colaborador do Jornal Cultura de Angola e Palavra Comum da Galiza – Espanha. 

É membro do Conselho Editorial da Revista Mallarmargens (RJ-Brasil), da Revista Zunai (SP-Brasil), membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni (Brasil) e da International Writers Association (Ohio-USA). 

Representou Moçambique na Bienal de Poesia da Língua Portuguesa em Luanda-Angola, 2012, nas Raias Poéticas 2013 – Vila Nova de Famalicão – Portugal, no Festival Internacional de Poesia de Córdoba 2016- Argentina, e em 2017 participou de uma série de actividades em Portugal, nomeadamente: IV Festival Literário da Gardunha – Fundão, VI Encontro de Escritores Lusófonos no âmbito da Bienal de Culturas Lusófonas – Odivelas; Conversa sobre a poesia moçambicana, no Centro Intercultura cidade – Lisboa, palestra na Universidade Nova de Lisboa, entre outras actividades.

Com textos traduzidos e publicados em diversos jornais e revistas literárias do mundo, publicou os livros: “A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua-Antologia Poética”, Revista Literatas, 2013 (coordenação) e “Geografia do Olhar: Ensaio Fotográfico Sobre a Cidade”, (editora Vento de Fondo, Córdoba, Argentina, 2016), onde foi premiado como o Livro do Ano do Festival Internacional de Poesia de Córdoba – Argentina; no Brasil (Dulcineia Catadora Edições, Rio do Janeiro, 2016); e em Moçambique (Cavalo do Mar Editora, Maputo, 2017).

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This Article Has 1 Comment
  1. Roberto Monteiro Reply

    Esplendoroso. Poesia pura elevada à enésima potência.

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