Fernando Andrade
Crítico literário e escritor
Numa fazenda acordo e vejo tudo amarelo… Uma fazenda é muito diferente de uma cidade.
Nela posso ver as cores em cada parte do espaço que ela matiza os tropos. Numa cidade ando em linha reta, até minha recordação parece uma linha, mas não tão reta… mas de fuga. Na cidade ando a não ver as estações: a não ser as de trens. Lá encontro minha família inteira e fragmentada. O amarelo, esta espécie de arte zen da performance poética. Da aglutinação afecta. Se amo, pertenço ao elo. Na fazenda andei atrás da bola de feno. Ela estava no estábulo me esperando para passear no vento. Coisas assim, perenes, me acontecem por aí.
Como um pé de ipê que vejo na varanda do livro De Carina Sedevich, Bola de feno, editora Moinhos.
Se quiser entrar, leitor, fique à vontade, o lar é seu.
Sala de estar. Como passear entre estações que não tem lugar a não ser na memória? Retinta
e retida entre duas especificamente outono e inverno. Queda e abandono. Lugar mais demodê para memória? Este livro é como um passeio entre estar presente e o esquecimento de coisas que já foram e ficaram guardadas. Como a coisa amarela que gruda no rejunte da poética de Carina. Fazer de uma palavra analogias simbólicas que estradam um certo pedaço ou trecho pisante com botas leves. Remir reminiscências pelo pouco palato da palavra. Dizer pelo silêncio que a falta ou ausência retina em concerto. Carina faz do retorno, estes pequenos desvios na estrada da memória e vida; um belo exercício de fixação do momento.
Não tão presenciável, talvez epifânico, outonal em sua decrepitude entre o não sentido e o próprio sentido de existir. Existir para o outro como a mãe ou filho engalhados ou agasalhados pela acha do afeto. Não é pouco neste livro intenso e poético.
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