“Uma rosa solitária no coração de Paris” – Três poemas de Marcelo Frota

 

 

O Sul (de lugar nenhum)

Adentro a noite nua de estrelas
Um pouco de uísque entorpece
O corpo fatigado pela guerra
Um amor quente e um campo
De batalhas
Do que mais
Precisa um homem.

Entre dedos amarelados o cigarro queima
A nicotina doce penetra as páginas
Do livro de Bukowski, dos pulmões negros
Vícios mundanos se enraízam
Ao sul
De lugar
Nenhum.

Gainsbourg pontua as tragadas, fuma
Entre versos rimados o amor carnal
Jane geme e cora e treme e goza e geme
Na louca hipnose rítmica, ela derrama
Je t’aime
Je t’aime
Oh oui je t’aime.

Adentro música e literatura e bebo
Na noite nua de estrelas, grito entre
Paredes e livros e discos e charutos
“Viverei essa noite, viverei mais essa”
Amanhã
Vomitarei
E levantarei.

 

 

La Chanson

Me dizem entre sussurros velados
Que escuto músicas francesas d’outrora
Enquanto ando pelas ruas anônimas
Cantarolando Gainsbourg e Brel
Entoando entre lábios Piaf e Hardy
Sou Aznavour pela manhã entre
Um café e biscoitos doces
Às vezes sou por inteiro
Elle Etait Si Jolie antes do almoço.

Me dizem que canto em desafino
La Chanson de Prévent entre os lábios
Não abro muito os lábios, eu sei
Não abro muito o coração
Nem os olhos para o entardecer
Mas a noite floresço entre
La Vie En Rose e L’Anamour
Para então começar a morrer
Na melancolia de Ne Me Quitte Pas.

Sou esse mistério amoroso
Uma rosa solitária no coração de Paris
Me desejam na noite, me pisam no dia
Me presenteiam a Birkin, me chamam
De Bardot, me bebem e fumam
Na noite da cidade das luzes brilhantes
Amanheço, nos lábios de Stacey Kent
Um novo jazz, uma nova Melody
Uma fumaça em um bar, um desamor.

 

 

Almost Blue

Acendo um cigarro de olhos fechados
O movimento mecânico do corpo eleva
A sensação de pertencer ao tempo presente

A tragada não agride o céu da boca
Nem desce seca tomando garganta e pulmões
A nicotina é vida quente nesse corpo entorpecido

Seguro a fumaça doce mentalmente acompanhando
Os compassos de Almost Blue enquanto Chet declama
Versos de agonizante melancolia harmônica

Solto o ar e a fumaça assume seu lugar na sala
Entre sofás e discos e livros e cinzeiros a fumaça é a casa
A lembrança da morte impregnada no que compõem a vida

Almost Blue consola meus ouvidos enquanto consumo
O que me consome e componho versos que nada são
Além do retrato de uma vida embalada pelo quase triste.

 

 

 

Marcelo Frota é professor e tradutor. Nascido no Rio Grande do Sul em 1979, é um apaixonado por cinema, literatura e música e tem apreço especial pelo jazz e pelo blues, sem deixar de lado o rock clássico e a chanson francesa. Se considera um cinéfilo devoto e apaixonado pelo cinema europeu, americano e latino-americano e brasileiro. No seu coração literário os espaços são ocupados por autores que vão de Shakespeare a Saramago, sem nunca abandonar os romances policiais baratos, a ficção científica e a poesia marginal.

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