foto: Felipe Lisboa Castro
Poema de passarinho
e dou de pensar
que os pássaros do jardim
vestem gorro
para cantarinhar de frio;
mas porque não posso ver
os tais pássaros
o inverno entristece ainda mais
Somos de casa (1999), de MARIANA IANELLI
Um pássaro —
assim, vadio,
usado como emblema, feito escudo
ou arma de vingança —
passarinhava tranquilo
no meu quintal.
Meditativo,
bicava as ranhuras do piso,
e, absorto na tarefa,
ignorava-me.
Consigo pegá-lo, pensei,
mas,
antes que vontade se fizesse em ato,
com apenas um esboço de movimento
o pássaro voou rápido.
*
Assim é a felicidade,
disse-me alguém
enquanto, além da cidade, o futuro
se abria inteirinho para mim
como um grande céu azul.
—
Praça da Sé
para Mário de Andrade
Cheio de bossa,
o mendigo ajusta a sandália apodrecida
no pé, os ônibus elétricos correm
apressados,
os pombos cheios de afeto chegam
perto das escadarias
procurando pipoca de macumba.
Deus caminha ao lado dos loucos,
joga uma pelada, na padoca
pede média e pão com manteiga, na chapa.
Os desajustados
gritam teologias novas,
adaptando-as ao novo tempo.
Um rala-bucho risca-faca
toca alegre,
é o bafo do Miserável Brasil Grande que borra seus óculos,
mas você passa batido,
afinal,
só você que quer ser executivo no exterior.
—
Um coração
Um coração
coalhado de incertezas
e um chão
se rasgando sob os meus pés.
Eu falo
qualquer coisa,
mas sinto as palavras se espatifando contra as paredes,
caindo sem vida.
Eu me calo
e é só o silêncio
cortante e constante
passeando sobre a superfície do abismo
flutuando feito pluma
do meu anjo que se foi.
—
Fernando Alves Medeiros nasceu em São Paulo (SP), em 1988. Formado em Engenharia Elétrica pela Universidade São Judas Tadeu, é metroviário e tem contos e poemas publicados pelas revistas Grafias, Subversa e LíteraLivre. Atualmente, é aluno do Curso Livre de Preparação do Escritor (CLIPE) para o gênero Poesia da Casa das Rosas (São Paulo). Autor dos livros de poesia Kitsch (Edição do Autor, 2015) e Itinerário para Puma Punku (Editora Urutau, 2019). Escreve um pouco de tudo na página Cafés & Blablablás, no Medium.
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