I
Na alma da floresta as árvores eram companheiros silenciosos,
As folhas, imersas em serenidade, afugentavam as horas
Que por mais que passassem nunca chegavam.
Os ventos mansos inventavam danças em cultos incolores
E o odor da floresta era transpirado pelas húmidas raízes.
Uma escura cabana ergueu-se do nada,
Era noite
E a lua havia fugido com um qualquer forasteiro.
As lendas eram apedrejadas até à exaustão
Que as fizesse confessar a realidade dos factos.
Levantou-se um enorme vendaval
Aquando da prostração sobre tão acutilantes palavras,
Ideais lavados em amoníaco,
Eficaz método de apagar vestígios.
A origem de tudo veio da cabeça do mesmo Homem,
Aquele que inspirou a argila
E desesperou quando esta secou e caiu.
Estavam criados os desígnios do Homem.
In “A Catedral de Inconstância”
PIRATAS
Por vezes, descíamos as escadas em busca de migalhas,
Como pardais desviados da prometida Primavera, pelos escombros da fantasia.
Os corvos ficavam sempre com as peças mais brilhantes e valiosas,
Mas nós sabíamos que as migalhas nos alimentavam e davam força para voar.
O acumular de contemplação sempre foi um bom negócio,
Mas nós não éramos comerciantes,
Éramos piratas a aprender a nobre arte da navegação pelas estrelas.
In “A Biografia de Santo Anónimo”
DE HOMENS, ESTRELAS E CIGARROS
As estrelas não brilham esta noite,
Mas o seu intenso brilhar desorienta-se na minha cabeça.
Fumo um cigarro em acrobático fumo entediante.
Os homens ricos aguardam por mais uma manhã
Que lhes traga o sabor da metamorfose do suor dos seus súbditos.
Os homens pobres, acomodados a um tempo que parece não terminar,
Iludem fantasias que o destino parece esquecer.
Os homens especiais,
São barris de pólvora atormentados pelas hesitações do rastilho.,
Sonhadores omniscientes.
O paraíso prometeu-lhes algo, mas não sabem o quê.
Os dadores de sorrisos tornaram-se vendedores ambulantes
E aprendem a arte da falsidade, tão essencial à sobrevivência.
Por vezes, descobrem um brilho que lhes dá alento
E percebem que pode haver luz numa noite sem estrelas.
Nunca esquecer,
Este é um mundo de homens, e não de deuses.
Emanuel R. Marques: Formado em Comunicação Audiovisual.
Autor de poesia, prosa, dramaturgia e cartoons. Colaborador em revistas, fanzines, webzines e antologias literárias. Participante em várias exposições colectivas e individuais de artes plásticas/visuais. Realizador do projecto vídeo “Em busca da criatividade/In search of creativity” e criador da experiência musical “Pineal Vertigo”.
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