por Fernando Andrade
Jornalista e crítico literário
Sempre achei que o sagrado e o profano estão irmanados por uma intertextualidade terrena sob a vestes do cotidiano mais prosaico. E que o homem pragmático e negociante às custas de um bom negócio a sua alma devedora de bons vinténs, negocia o saldo ou pendor de sua quantia capital de conivência-conveniência. Que esta coisa de “percalço humano” nos levou ao pecado do gosto da fruta. A semente da maçã se deitou com a serpente, houve aí juros de mora para que o homem e a mulher não se tocassem mais de acordo com este mesmo sagrado-profano, que nada mais é que as submissões do corpo ao desejo.
Quantos milênios de recolhimento do corpo? Aos tapetes voadores da libido esvoaçante pelos bosques do interdito. Quando vemos um livro de poemas que faz da liturgia do amor recolhido – uma minúscula casca de noz, algo bem envolto em carinho, cuidado e proteção.
Maria Mortatti, escritora e poeta, em seu novo livro de poemas, Breviário amoroso de Sóror Beatriz, editora patuá, narrou sobre uma passagem nem tão bíblica, sobre as fontes do amor, que surge de onde menos se espera. Muitos filósofos já estudaram esta peça de câmara que é o enamoramento; um tal feitiço que como névoa encobre a montanha mais íngreme: a cabeça.
A poeta tece a cotidianidade de uma liturgia de uma religiosa que parece estar num convento. Como uma sabatina da semana com seus nomes como: matinas laudes, esta sacerdotisa tem um cotidiano religioso que prove sua vida em litânia e cântico. Mas esta tapeçaria da semana pode muito bem ser religiosamente provida para cozer o sagrado do amor em carne & espírito do desejo mais carnal por um homem que tenha botado os olhos somente por uma vez. O amor nasce de um acaso? de uma mirada? De um brisa, suave, retorcendo uma flor em pétalas? Maria divide em seções ritualísticas de devoção ao trabalho religioso os seus poemas e para cada seção faz de um poeta-poema-epígrafe; síntese daquele estudo arquetípico: amor.
A sacristia religiosa vira carestia por acolheimento do amado? A f(r)ase platônica do desejo ligado ao olhar pelo corpo & interior do preterido enumera questões profundas e metafísicas.
Os poemas são prismados com requinte de erotismo, plasmados com a sofisticação da palavra talhada em madeira de lei-ritual. A busca do amado através da poética, talvez não passe de um lira do auto-conhecimento. A poética da imagem refletida, já vimos que a poesia é oracular e miraculosa em vermos os outros com olhos de nós mesmos. A comunhão litúrgica da missa nada mais seria que um pergaminho imenso de transcrição do poema-vida, daquilos que metaforiza carne em espírito na morada proteção do ego perdido na urbe poluída.
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