Foto de Ana Meireles
“Ao esquecimento
O tempo não resiste”
Wanda Monteiro
Há algo de clariceano em Wanda Monteiro. Em “A liturgia do tempo e outros silêncios”, Patuá, 2019, obra que conta com quarta capa de Demétrios Galvão e posfácio de Nuno Rau. Isto porque se torna impossível não ter um” atravessamento” (termo usado pela poeta no início do livro para exaltar “a morte de nascer para dentro”), ao perceber que a escrita aqui é costurada ao interior. O de dentro salta para fora, no transbordar das emoções.
Ciente do caos humano em que se vive, o eu lírico de Wanda, “mesmo sofrendo da aguda sensação de sentir-me como um peixe atônito” (p.8) não se torna seco diante do mundo e escreve. Este é o fluxo da consciência wandiano, o que a aproxima de Clarice Lispector.
E neste estado se coisas, “mãos às cegas / a dúvida bruta / a palavra perdida / o implacável silêncio do verbo” (p.11). Assim, os poemas de Wanda não têm título, já que a autora foca no conteúdo dos próprios textos. Tanto que “o corpo é esse rio / cuja nascente e foz / disputam a força / o espaço /o tempo e as profundidades / no centro de um coração.” (p.13)
Imagens fortes, altamente imagéticas, metafóricas, como pede a poesia de qualidade, já que “O poema as escreve com esse incandescente vermelho, aceso na veia da palavra“(p 14).
O tempo é o mote do livro de Wanda Monteiro, ao tratar que: “no rito infindo das estações / o tempo faz seu casulo /na rocha /consagra a sina de guardar / no silêncio / a contrafação de suas faces.” (p.44).
Tal qual Clarice em fluxos de consciência, laivos de epifania, Wanda faz prosa poética: “Somos apenas um ínfimo pedaço refratário do tempo,fluindo nesse frágil invólucro destinado a gestar efêmeras vidas à luz de sua fração” (p.41). É uma poeta plena em seu ofício da escrita, para qual “o sol nunca se põe /nunca se oculta /nós é que o perdemos de vista” (p.66), sobretudo porque “ Não há saída para o tempo. Há o peso da maturidade nos ossos da palavra”(p.71).
Luiz Otávio Oliani é professor e escritor. Em 2017, a convite da escritora e ativista cultural Mariza Sorriso, integrou a equipe de poetas que representou o Brasil no IV ENCONTRO DE POETAS DA LÍNGUA PORTUGUESA, em Lisboa, Portugal. Publicou 14 livros, sendo 10 de poemas, 3 peças de teatro e o de contos: “A vida sem disfarces”, Personal, 2019.
Be the first to comment