Maçãs
Razão do corpo que cai, flutua,
Pode até dançar, quem sabe do futuro,
Do nosso talvez pela estrada do mundo?
Está lá a maçã e sua casca, aliciadora,
Você a morde sem vontade: Croque!,
Eu ouvi, sentindo seu gesto de recusa.
Do que você foge e do que eu fujo?
Quero saber mais, perceber,
Mas as pistas subtraem-se,
Escondidas no carrossel de correntes
Elétricas, pensamentos mudos.
Sou eu sou teu tua meu.
Sou apenas gesto, perdido no ar,
Incompleto e inseguro até a raiz,
Mas gesto de amor gozoso.
E um gosto, aquele gosto doce
De maçã e mel que era o teu,
E que eu bebia a cada manhã.
Eu te perdi, meu amor, te perdi,
Mas é meu corpo que não entende.
Caçadas
Sigo teu rastro-gazela, sou eu o guepardo
Agora, e peço: pegue-me com as presas,
Articulações e nervos fortes até que eu
Grite. Não, eu não deixo que fuja.
Deixe-me sempre as pernas todas abertas,
O líquido jorrando, é meu sangue,
Minha seiva, estertor dos corpos perfeitos,
Dos olhos, revirados na hora exata,
Os sentidos derrotados e, ao voltar,
O ganho de mais nitidez, mais amor.
Tua avidez gruda na minha e me faz tua,
Vê como é a sede boa do corpo?
Seu dorso que vem e me pega solta,
Sou tua zebra, teu bicho no frio do mundo.
Monte-me com amor, insensata posse,
Faz desse encontro uma explosão luzidia,
Corpos gementes, almas chacoalhantes,
Junção dos átomos até eu não saber:
De mim, de ti, de nada da vida.
Se eu soubesse que era sim, amor,
Ai se eu soubesse que podia ser assim…
A primeira vez
Mamãe pedia, com jeito e carinho,
Que na areia mais fria nos instalássemos,
Aquela lá, mais perto do mar.
A areia em que estávamos, muito branca,
Afundava os pés, queimava-os,
Não dava nem para brincar,
Muito menos fazer castelos ou torres.
Toda vez mamãe pedia, mas
Eu nunca queria, o mar era ao longe.
Meu pai irritava-se: – Tanto sacrifício
E ela só uma criança? Que a mãe
Resolvesse, ou o jeito seria o seu.
Se não ia por bem, por mal iria,
Foi a vez da mãe dizer, pegando-me,
Seus braços fortes, e lançando-me na água,
Os pés da família não podiam mais pelar.
O raso era bem rasinho, lá,
Onde as ondinhas só vêm molhar,
Resto que sobrou das ondas.
Mas era um mar, era o mar.
E eu gostei.
A brincadeira era o mar,
Mesmo quando mamãe cansava
Eu queria o mar, avançar no mar,
Amar o mar, deitar o mar, ser o mar
E eu apenas um peixe, o peixinho de pano
Sempre comigo, pra cama e todo lugar.
Não precisava mais dele, enfim,
Agora seria eu o peixe-mar navegador.
Marina Ruivo é autora de Nossa barca (poesia, Patuá, 2019) e de Geração armada: literatura e resistência em Angola e no Brasil (Alameda/Fapesp, 2015), livro que se originou de sua dissertação de mestrado. É doutora em Letras pela Universidade de São Paulo, professora da Universidade Federal de Rondônia e pós-doutoranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Eu fico aqui pensando… daqui a pouco tempo vão exigir pós doutorado para fazer poesia… eu tô fora… mal tenho um pergaminho rubricado pelo mec…