ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista a poeta Anna Clara de Vitto

Anna Clara Perfil - ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista a poeta Anna Clara de Vitto

 

 

Fernando Andrade   O quê tem de você em água indócil já que você tem uma incrível arte de subli(mar) questões do ser, sem falar ou tratar na 1 pessoa do singular. Mesmo sem te conhecer percebo trajetos e artimanhas suas, colocadas nas entrelinhas dos poemas. Fale um pouco. 

Anna Clara de Vitto  Verdade seja dita, na “Água indócil”, há muito de mim, da(s) minha(s) história(s), especialmente quando falo de memórias litorâneas, de infância, de mulher adulta e suas lutas. Porém, o livro, por tratar fundamentalmente de vivências de mulheres, sejam elas doloridas, revoltosas ou curativas, extrapola em muito a pessoa da poeta autora, usando-a como um ponto de partida, como um ancoradouro para as histórias contadas.

 

capa Água indócil 200x300 - ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista a poeta Anna Clara de Vitto

 

Fernando Andrade – O texto por mais pueril que pareça tem certa ideia de aquário. As coisas represadas parecem que são mais fáceis de manipular. Há contornos-margens que às vezes definem as coisas. Mas no seu livro como um todo parece que tanto os poemas que fala por si mesmos como certa unidade do livro, tende à um espaço aberto, uma certa imensidão da linguagem quando aferida pela coisa humana. Como certas elipses, conteúdos com imagens fortes, como pontas de faca. (A primeira tempestade) mar aberto. Mas isso sem ser generalizante. Fale um pouco disso.

Anna Clara de Vitto  – Gosto muito dessa figura de mar aberto que você mencionou, porque o mar aberto é imprevisível, ainda mais para o navegante à deriva. É possível prever o mar apenas até um certo ponto. Ora acolhe, ora afoga. E as imagens da “Água indócil” têm muito disso, tocam de jeitos diferentes quem lê, evocam lembranças e sensações diferentes. Aliás, cada uma das três partes do livro (‘Águas abrigadas’, ‘Ressaca’ e ‘Vento noroeste’) traz uma evocação diferente, como nostalgia, perda de ilusões, protesto, luta. Acho que trazer um pouco de indeterminação às imagens é uma forma interessante de ampliar as possibilidades de leitura do poema.

 

Fernando Andrade  – As imagens, elas parecem que deslizam pelo poema.  Há um movimento que parece certa correnteza fluida, até pela musicalidade de seus versos. Como é seu processo criativo? 

Anna Clara de Vitto Trabalho muito com a inspiração bruta, urgente, e algumas ideias vêm em forma de certa obsessão. A matéria para a inspiração, por sua vez, é muito variada, vai desde notícias de jornal, conversas entreouvidas no transporte público, atos cotidianos, angústias, sessões de terapia, músicas… há poemas que saem de um fôlego só, mas geralmente preciso retrabalhar para criar imagens potentes, cortar construções desnecessárias, melhorar o vocabulário. Quanto à musicalidade dos versos, costumo ler os poemas em voz alta, para ser guiada pelo ouvido e pela sensação da palavra na boca. É um processo majoritariamente intuitivo para mim. Nos últimos tempos, tenho estudado fotografia analógica, como uma forma de diálogo com a poesia pelo viés da falta de controle sobre as coisas.

 

Fernando Andrade – Como é tua interlocução com outras poetas? Você integra a coordenação do clube da escrita para mulheres fundada em 2015. Fale um pouco deste projeto? 

Anna Clara de Vitto  – Nutro uma enorme admiração por todas as poetas cujas obras cheguei a conhecer, especialmente pelas poetas vivas, com quem aprendo muito. É sempre muito bom saber que não se está só! Um dos maiores prazeres que a poesia me proporcionou é exatamente essa interlocução, há alguns poemas na “Água indócil” em que dialogo diretamente com poetas que me marcaram, a exemplo de “à memória de Lara de Lemos” (poeta gaúcha presa pelo regime militar), “atenciosamente” (Hilda Hilst) e “a impostora” (Adília Lopes). Já o Clube da Escrita para Mulheres foi fundado em 2015 pela escritora, poeta e cordelista Jarid Arraes, que coordena o projeto junto comigo, com o propósito de ser um espaço seguro para que mulheres interessadas por literatura e escrita possam produzir e se reconhecer como escritoras, sempre fomentando a diversidade e a representatividade no meio literário, é um espaço para todas as mulheres, sem distinção. Lá, além de escrever e trocar ideias a respeito de processos criativos, dicas de publicação, etc., aprendemos muita coisa sobre como não se intimidar com as portas fechadas, sobre não ter medo de se posicionar firmemente contra tudo de errado que se vê no meio literário e na vida, sobre fazer o nosso próprio caminho e criar laços com outras escritoras.

 

 

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This Article Has 1 Comment
  1. José Carlos Brandão Reply

    Parabéns, Anna Clara. Parabéns, Literatura e Fechadura.

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