Domingo. O relógio assinala 17h43min. Xingamentos de um andarilho entorpecido misturavam-se à algazarra de torcedores que, inebriados pela vitória do time, perturbavam meu sono reparador. Carros, buzinas e o escapamento rouco das motos despertam minha atenção silenciosa. Uma ambulância corre como um tiro irrefreável, sequestrando minha paz. Uma senhora, bem senhorinha, estende as mãos côncavas ao neto, abençoando-o. Uma mulher de voz desidratada exige genuflexão do seu cachorrinho. Um ônibus repleto de bocas cansadas e braços solitários converge à rua sem saída. Um pitbull, sem hesitação, conduz seu dono para passear.
A chuva fria acena para minha recôndita retidão. A chuva, num sentimentalismo renovador, me relembra a lição da queda. Mulheres e crianças escorrem como gotas apressadas na busca de um toldo acolhedor. Cães e gatos se neblinam. Homens nada fazem. Repetem-se em seus movimentos. Trazem em seus corpos vestidos a indiferença de um fiel incrédulo.
Em companhia da solidão, sabia tudo contemplar. (In) conscientemente, hasteava minha observação ao inatingível, ao interditado da minha incapacidade de conquistar. Por isso, observava. Por tudo isso, procurava como um cão farejador. Satisfazer minhas curiosidades lambendo desnecessidades, de nada me isentava. A ferida permanecia exposta. Ato teimoso. Servidão diária. Esquecia que ao vigiar o preso, tornava-me prisioneiro. Agindo assim, condenava minha coragem, minha disposição por mudança à solidão de um guarda-chuva esquecido em um armário.
Na padaria, uma mulher assalta minha vista, ganhando, por completo, minha atenção. A professora! Caminhava satisfeita com seus peitos recolhidos debaixo do decote obedientemente vadio. Um arco de haste fúcsia emprestava espaço em seus cabelos, soltos como folhas que um vento de outono espalha a espaços de um chão tranquilo.
Pulseiras de renda sépia afivelavam os braços, tatuados de imagens angelicais. O movimento de seus quadris acendia em mim confortos de uma cama. Na fila do caixa, uma ex-aluna a reconhece. Admirada com sua beleza e vitalidade, a jovem a enaltece. Na troca de elogios, a professora, de olhar oblíquo e sorriso fácil, lhe diz: “Um cigarro depois do sexo e assim, parei de fumar.” Continuo em observação.
Alexandre Benegas é professor e coautor das obras ‘Antologias Literárias’ e ‘Escritos Memoráveis’. Além de ter publicado vários artigos didáticos e ficcionais sobre Língua Portuguesa, contribui, semanalmente com seus escritos, como colaborador cultural na coluna Opinião, do Jornal da Cidade. É Doutor Honoris Causa em Literatura pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos e membro da Academia Bauruense de Letras. Como reconhecimento de seu trabalho literário, já recebeu prêmios e honrarias nacionais: Caneta de Ouro promovido pela FEBACLA, Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Arte, além do título de Comendador da Literatura e Cultura Brasileira pela Assembleia Legislativa de São Paulo.
O adorável e surpreendente final fecha uma obra de arte.