Marcelo Gaspar é baiano, radicado em São Paulo, hoje reside em Pernambuco. É graduado em Análise e Desenv. Sistemas, pela Fatec SP. Autor do livro de poemas “A noite continua num gole de cerveja” (2017).
Perfil no Facebook: https://www.facebook.com/marcelo.gaspardesouza
O Corpo
A cisterna está cheia de solilóquios
Seus olhos afundam-se em água salobra
O telhado não contém suas lágrimas de mariposa
Longe daqui, um preá esmagada na PE-320
O bêbado tomba, saindo do bar do Porco
Nos teus dentes amarelados por cigarro de fumo de rolo
Minha língua resseca teu céu iluminado por transcendente epistemologia
Os cachorros de rua dissolvem-se nas intrigas de vizinhos católicos
Teu coração produz monografias de amores ressecados por sol raivoso
Perco-me como raposa em beira de estrada, entre carros e cruzeiros e corpos
apodrecidos
Escondo-me na Rua Augusta,
Lá decifro a revolta do mundo
Volto ao ventre que me partiu
Mil estrelas no céu, mas elas caem em teu ventre
Eu, translúcido, remexo teu sangue hipnótico
Você me engole e me cospe num eterno retorno
A autoestrada
Árvores desnudam-se, esquálidas
Transpiram outonos na
orla de um beijo fresco.
Borboletas violentam-se em para-brisas de carros invisíveis, nas
autoestradas entorpecidas
nossos passos amargos cospem raposas atropeladas.
Neblinas deturpam verdades geladas,
vindas das montanhas do sul
Os abismos choram inesgotável solidão.
Nos pássaros (esvoaçantes?),
suas cores praguejam deuses nórdicos,
protetores das florestas que habitam enigmas.
As capelinhas (nas curvas assassinas) rezam
corpos esquecíveis…
no cruzeiro, olhares de morte.
Brumas de uma história findada,
nossos peitos enraizados em hostilidades
vegetação rasteira cobrindo eternidades.
***
Quando inalei o horizonte
Um buraco surgiu entre os girassóis
Que giravam enquanto folhas secas
Rodopiavam ao som de um tango vívido
Quando fumei as entranhas do firmamento
Apontaram-me dedos e fumaça tóxica fluía
De rostos cadavéricos
Sob a pele tenra do mais vil animal
Quando calado regi a sinfonia de cardeais romanos
Que sorviam fragmentos de ferrugem
De estilhaços de um grande olho flutuante e viscoso
Dobrei os joelhos e orei cegamente
Quando naufraguei em teu pranto bobo
Colhi rosas negras, de rara beleza
Ainda respirava fuligem de cidade grande
Quando adoeci em teu peito barulhento
E pude sentir a carne que ali pulsava
Entre torres de concreto bárbaro
Silenciei um copo de aguardente
Ingeri tua boca infestada de certezas e desordem
Be the first to comment