MARILENE VIERA – Poeta e performer. Formada em Artes Visuais, atua como professora de Artes na Secretaria Municipal e Estadual de Educação no Rio de Janeiro. Estudou Teatro em Porto Alegre e Rio de Janeiro. Participou do grupo Verso e Companhia e do grupo de performances Estudos de Concertos Para Corpo e Alma. Livros publicados: A Poesia Perdida (1997), Dados de Identificação (1996) edições independentes e Cosmonópolis – O que sabemos nós das histórias dos outros? (2016) e 37 Baladas Para o Horizonte (2018) pela Editora Urutau.
Marias sem graças a deus
Quando as horas vagam meu corpo é esfinge
A chuva ostenta as saudades
Os dedos lambem as vestes dos dias
As casas são réstias para a emancipação
E onde fica a rua mais próxima para o amor
Onde ficam os solos mais próximos para o amor
Que eu fale reticências, asneiras, onde fica a invasão mais
próxima para o amor
Onde ficam as camas, as vagas, as chupadas deliciosas
Só falo é de amor!
Então! Onde fica a voz mais fulgurante para o amor
Onde leva as ideias para o amor
Onde chama o teu amor
A Ponte
Aqui calo-me como um passarinho com dor
Calo-me como um cachorro que já não vê mais jeito para sua
vida
Perambulando nessas estradas úmidas e não sabendo que sinal
seguir
Afinal que justo é o mundo?
Não é!
Lá de cima gostaria só de festejar com minhas amigas, vestir
roxo e beber um bom vinho nos próximos dias que se sucedem
Daqui a pouco se rasgam as plumas
E a voz ficará a estupor nessa latitude
As lambidas de sangue
Serão os clowns dessas noites frias
As mulheres rasparão as cabeças
E os cílios verterão em Marias sem graças a deus
Raspo e me dispo como ser quem sou e não quero saber dessa
tua repressão me talhando os olhos
Não quero saber se antes não entendia o que é ser mulher
Hoje entendo
E sei aos versos que físico é o espírito que amplia
As costelas dessa bela Maria sem graças a deus
E que aqui nesse terraço imenso de dispersão
Quando até marimbondos fazem morada em nossos mamilos
O casulo sai para a liberdade
E o cordão que de mais virtude é
Cresceu e virou mulher
Marias sem graças a deus
Do livro Cosmonópolis – O que sabemos nós das histórias dos outros? (2016). Editora
Urutau.
Inundação de versos
hoje uma lágrima aberta
nesse céu de escopo
em virtudes se desmanchou a criança
e carregou uma ilha para reconstruir
a tempestade estava próxima
todos cobríamos os lábios de atitudes
todos queríamos você de volta
todos queríamos repouso e casa
o sapo manancial tentou furtar
as orelhas das velhas senhoras
a tempestade chegou
e ainda não estávamos protegidos
fomos rebatidos em tempos de jogos diluviais
o castigo foi de todos
desde Camilas a Genésias
desde Bruxelas a Caratinga
o trovão anunciou as demais mix leituras
de Senador Camará a Deodoro
a chuva caía como vestidos enfadonhos pela existência
a água lavou e levou muita gente
o orixá veio de sequestro
no camburão lacrimejante
socorro!
sangro no peito direito
e no esquerdo
digo versos
socorro!
na janela do ônibus eram lágrimas que vertiam versos
ou eram versos que vertiam lágrimas
a inundação foi de versos
versos soltos
versos punks
versos funks
versos maneiros
versos cabreiros
versos aves
a dúvida era de que lado eles vinham
norte, sul, leste, oeste
todos eram versos
não se faz distinção entre versos e águas
Do livro 37 Baladas Para o Horizonte (2018) pela Editora Urutau.
A brisa desce a lama da alma
vem!
vem!
poeta, atravessa o asfalto
o asfalto é crivo da ilusão
é bestial sangue da hipocrisia
estou precisando de luz
pego carona amanhã de manhã
e vou partir
vem!
poeta, atravessa o asfalto
vem beber uma cachaça
até que teu suor te digas o que fazer
te diga por qual caminho seguir
caro amigo!
sempre quis chegar a um finito e encontrar um boi
que fizesse retroceder
a brisa desce a lama da alma
o véu é negro e a aranha manca
a náusea que sinto é disposta na maresia
do meu coração tufão
tenho saudades de banho de mar
tenho saudades de cortar minha franja
tenho saudades de lambuzar meu útero
e correr do sol, até que eu entre sobreposta a ele
e vire vergalha de um dia de sol
e suco eu
vergalha
mate e vire
útero num dia de sol
Do livro 37 Baladas Para o Horizonte (2018) pela Editora Urutau.
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