Livro de poemas canção para seus olhos e outros castanhos faz do uso lacunar das palavras uma ágil dança poética, ao adotar o amor como novelo tanto temático como conceitual

 

 

 

 

por Fernando Andrade

jornalista e crítico de literatura

 

O poema é um arte de amar violentamente sem estar muito perto do objeto amado? O poema tem lá suas distâncias de afectos onde suas feridas não cicatrizam, pois é do ferimento que a palavra se constrói no sentido (di)verso. O ferimento seria uma arte do tato dos dedos, do cuidado do amado em não deixar a outr(a)o bem, tolamente, totalmente. Pois isso de arnica o poema não precisa, não desinfete um poema, que ele inflama.

Talvez o amor vá pelo mesmo cuidado, desvelando aquelas pétalas que possuem espinhos, por que espinho é metáfora do amor? Claro que aqui não estou fazendo apologia da violência no estado latente da sexualidade: amor-paixão. Que faz da palavra arte e artesanato-lã, e linha e costura das dobras da pele-página. Sabe que mexemos com a palavra-imagem, a palavra-artefato, palavra massa-tijolo que bota o alicerce das coisas para levantar-se do chão.

Estes estados duais que o corpo estado tanto na sua fisicalidade do desejo por outo corpo, tanto quanto na latência da palavra que aqui se faz falta – rasura que escreve e se inscreve, é o que noto e anoto ao resenhar o novo livro de poemas do poeta angel cabeza, chamado canção para seus olhos e outros castanhos. Editora Urutau. O poeta dialoga com uma escrita verdadeiramente feminina, pois retira a potência agressiva de um agrimensor masculinista.

Seus versos cheios de lacunas cintilantes onde avessos das palavras não se ausentam na imaginação do leitor. Se faz rubrica naqueles espaços latentes do por dizer, do subtexto. Angel é exímio em criar relações contrastantes de sentidos, no poema, o que me me lembrou muito certas letras dos melhores compositores de MPB como Luiz Tatit e Zé miguel Wisnik, pela síntese e ao mesmo tempo, dinâmica em cerzir um certo sentido de deslocamento do espaço semântico da ideia – nunca premissa do poema.

Seria como um comprimento de onda onde o balanço ou musicalidade da relação das palavras junta uma às outras e faz o poema agir nos seus espaços em branco. O amor assim adquiri uma dinâmica no poema onde o desejo é sempre uma máquina de brincar ausências.

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