Fernando Andrade entrevista o poeta Pedro Tostes

 

 

FERNANDOTeu livro tem a loucura de um Artaud de trazer o pequeno palco onde a escrita (não)? se disfarça da autoria. Vi duas formas de se refletir ou através dos temas narrados\poetizados por você, fascismos, o próprio papel atuante do poeta ou a postura do autor perante o mundo totalizante. Quais das duas linhas você gosta mais de trabalhar?

PEDROToda expressão do eu na poesia é um disfarce calculado. Na verdade, em textos confessionais frequentemente realizo o exercício de me tirar o máximo possível do poema nas revisões. Tudo aquilo que é excessivamente idiossincrático, cujo sentido pode se limitar apenas a mim, deve ser polido na busca das imagens que expressem o ponto do contato do eu com o mundo, o pessoal-universal. As coisas que estão presentes na vida de todos, imagens que nos saturam de tal forma que se tornam invisíveis, perceptíveis somente ao olhar poético polido. É como se o poeta denunciasse a existência de um dinossauro no meio da sala – e a partir daquele momento é impossível fingir que ele não está lá.

No livro “Na Casamata de Si”, tentei trazer a tona o fascismo do mundo atual e suas reverberações. Na primeira parte, “Casamata”, busco o olhar pra si, apresentando um sujeito sob ataque do mundo, ferido, como a imagem de um soldado cansado de guerra. O espaço dessa parte é a casa, o mundo interno, a metalinguagem. Tudo aquilo que olha pra dentro, para si. O segundo movimento é em direção ao mundo, a revolta, retorno, devolução de todo lixo que nos fizeram engolir. Nessa parte, a poesia se volta para o mundo de hoje, apresentando seu festival de absurdos com um olhar crítico. É a resistência, forma de reação possível para quem não porta fuzis. Não acho que eu tenha uma preferência por nenhuma dessas abordagens, acho que elas se complementam na direção de criar o efeito poético da obra.

 

FERNANDO Teu livro me fez pensar que o poeta é um obreiro das sensações que lhe saem da barriga, nesta via dupla entre corpo e estados de desejo, e o mundo com seus objetos de estudo e aforia. O poeta precisar partir de sua casamata para ter a nominação do entorno\ mundo?

PEDRO – Todos partem de sua Casamata, por mais que tentem disfarçar. Acreditar numa objetividade na poesia é por demais demodé. No entanto não me cabe, nesse momento, negar o eu-lirico de forma radical. Afirmar a subjetividade é um ato de rebeldia em um mundo cada vez mais objetificante e alienante. Gritar ao mundo a existência de um ser humano, com todas as suas camadas de sentimentos e vivências, diante de um cenário em que as subjetividades tem sido massacradas pelo fascismo e pela precarização da vida, é tão necessário quanto atacar as estruturas políticas que sustentam essa roda macabra. Todos os meus amigos estão sob intenso sofrimento psicológico, em alguma medida, nesse último período. Quando afirmamos a subjetividade, é uma forma de olhar para o outro e dizer “estou aqui, também tá difícil, mas a gente vai se manter firme”. O mundo, afinal, somos nós – esse intrínseco entrelaçamento de subjetividades. E é a partir de nós que se constrói toda e qualquer objetividade.

 

FERNANDO Qual seria a imagem da guerrilha poética frente ao conservadorismo político? O poeta teria que ser um bardo – a língua de fronteira com outros espaços para fazer frente ao retro(pro)cesso histórico e cultural.

PEDRO – A guerrilha é na linguagem, mas não só. Todo movimento poético parte da linguagem, mas hoje é necessário um pouco mais de práxis. Práxis no sentido de buscar criar espaços, valorizar e fortalecer iniciativas que coloquem a linguagem poética em evidência – independente de valorações ou pré-julgamentos estéticos. Levar a poesia a cada vez mais pessoas, retomar a república à força. Poesia na internet, nas camisetas, em cartazes. Radicalizar as intervenções, desinvibilizar a força subversiva da poesia. A poesia move, comove. Diferente da lógica argumentativa, a poesia atua por parábolas, de forma não direta, não racional, sendo extremamente potente por sua capacidade de, justamente, emocionar. Ela é capaz de gerar empatia. É, possivelmente, a última arma civilizante que dispomos.
Da minha parte, gosto de estar na rua vendendo meus versos. É uma forma de encontro com o outro, desierarquizando a relação autor-leitor, tornando-a menos distante. Quando estou na rua estou sujeito a lidar com o impacto da minha obra, e isso me coloca em situações de ter que me desdobrar e justificar meu pensamento. É um alfinete estourando a bolha. A alteridade presente diante de si, demandando um espaço de cocriação.

 

 

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Pedro Tostes é poeta reincidente e insistente. Graduado Nos Rolês com PhD em Pilantropia Cultural. Seus crimes foram mais conhecidos como “o mínimo” (2003), “Descaminhar” (2008), “Jardim Minado” (2014) e esta mais recente contravenção. Foi detido, averiguado e apreendido pelas autoridades por porte e comercialização de livros em prestigiosa Fresta Literária. Com a organização delituosa “Poesia Maloqueirista”, entre outros crimes, editou a infame revista “Não Funciona”, que realizou 20 golpes bem sucedidos com mais de 20 mil incidências literárias na primeira década do século. Apesar da aparência dócil e gentil, o indivíduo citado apresenta alta periculosidade. Sua cabeça está a prêmio. Caso o encontre, favor informar às autoridades.

https://www.editorapatua.com.br/produto/15410/na-casamata-de-si-de-pedro-tostes

FONTE: Editora Patuá

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