Três poemas de Rosana Chrispim

 

 

ave ratita

fruto e refém
das crenças primevas
           entre pares
           e outros ares
desfia
desejos sonhos delírios
          (
          na casa
          em chão de terra abatida
          se amontoam
          pela área de serviço
          )

vítima e algoz
de (im)própria história
queima
o cimento do tempo
com passos
crentes obrigados medrosos

          a andejar

percursos irretornáveis
que o olhar insabente

encontra
sente quando
se faz
pretérito

 

 

inaparência

entre
cães focinhando sacos
a enganar a fome

carrinhos lotados
de subsistência passam

sobre
pés semicalçados a amassar

um pó preto que vira lama
que vira pó
que vira lama e pó

onde
carnes expostas sem medo
de ridículo ou censura
consomem outras carnes
                           vísceras

alimentam
o comércio de tudo
de imitações
    ninharias

à ladra
dos locutores de ofertas
misturada a estridências musicais
invadindo as portas
               os ouvidos

as filas desmedidas
nos passeios atulhados
para pagar apostas e contas 

a feiura não
(se) incomoda

o rebanho apartado ignora
indi(li)gente
quem o tange e o desalimenta
e o que provoca o rangido
das rodas do carro que puxa

 

 

inconsciente

as cidades
            desertos de fome
            mal disfarçados
consomem modos e medos
ao natural e
ao léu

nas salas
nos logradouros e domínios
ruminam
indigestões
           algias

e regurgitam
            solenes
florestas de silêncios imperdoados

 

 

Rosana Chrispim (Carandaí/MG/1958), formada em Jornalismo, trabalhou como Produtora Gráfica por quase 30 anos. Participou das Coletâneas Livrespaço (poesia) entre os anos de 1984 a 1990 e foi uma das editoras da Revista Livrespaço, 1992-1993 (Prêmio APCA de 1993). Publicou Semelhanças, 1986; Poética da Essência (plaquete), 1996; Entretempo, 2003; Caderno de Intermitências, 2017 e Contracena (plaquete), 2017. Atualmente vive em São Paulo/SP.

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This Article Has 2 Comments
  1. Roberto Monteiro Reply

    Muito boa poesia engajada, com sentido, expondo, mesmo que de forma lírica, essa desgraceira que nos assola…

  2. Rosana C. Chrispim Reply

    Muito obrigada, Roberto Monteiro, por sua leitura e comentário. Abraço poético.

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