FERNANDO ANDRADE
Jornalista e crítico literário
De onde vem o tecido? De uma página branca. Se temos numa folha A4, claro da madeira, papel-celulose. Células brotam do início criativo. Da explosão das ideias germinativas. Porém, escrevo num editor de texto, este deus ex-machina que tudo pode. Tanto escrever como apagar ao zero, rasurado, signos gráficos. Diria que o editor mexe com retalhos de letras-palavras que ainda não derivam nenhum sentido. Que não formam uma certa vestimenta de significações. Mas o ato de escrever é manufaturar uma roupa semiótica onde vestimos o real através da leitura do indivíduo no mundo. A leitura seria uma espécie de prazer solitário e ato ao mesmo tanto especular e divino, pois ali, está o germe de toda estética da criação, só produzimos um repertório de signos textuais por que lemos um mundo-autor antes.
O poeta Baltazar Gonçalves recria o mundo narrativo e poético através de uma imagem-poética de um lugar onde desejos e palavras tem seu local físico. Como um armazém ou pequena loja onde as sensações e sentimentos que brotam pela ideia confluem em linguagem e ficam ali estocadas pronto para serem usadas. Algo como um inconsciente coletivo, mas para a escrita aqui híbrida e sem marcações de linhas puídas ou não. São três marcações de gênero que seu livro Tecido na Papelaria vão tomando corpo e medida no decorrer da leitura.
Retalhos pela medida de bricolar ainda é sintético e conciso na forma e na espessura. Mas em densidade revela que o teor do brim é resistente ao desgaste ou leitura pelo seu uso excessivo. É nos menores-melhores frascos que se encontram os sentidos extratos de cor e intensidade textual. Num retalho podemos significar certa dubiedade. Certa nuance que se desloca por tão pouco… O poeta parece que faz certa experimentação até metalinguística de como esticar uma vestimenta que cubra a linguagem do uso tanto denotativo como conotativo com uso de imagens metáforas que operam de acordo com a largura-comprimento da poética-roupa.
Na segunda seção ou vestimenta, Bordados, estampas e rendas, Baltazar alonga o fio da tessitura desenvolvendo linguagens mais textuais e prosadas. A urdidura do tecido parece revelar mais segredos do fazer poético e situar uma persona ainda fluida sob o aspectos de um criador que se quer oculto? Ou apenas uma mão que opera a agulha que cirze a malha de textos e signos que agora parecem já ter forma na papelaria em seus estoques. Na linguagem do poeta há sempre um tom de quem botou a mão aqui. Quem alinhavou a costura do tecido, mas leitor, não opere perguntas demais. O segredo é deixar a etiqueta escondida ao reverso da tessitura, como um palimpsesto que não se vê a escrita escondida num segundo texto camuflado.
Há também em como toda boa roupa-tecido um estudo de contextualidades e referências ao corpo tanto da imaginação quanto da experiência-sensória. Na terceira e última vestimenta, fazenda, a prosa já dá uma certa contação de corpo vestido à caráter. Como se não estivéssemos mais nu e sim completamente vestido dos pés à cabeça. Mas caro leitor, o fabricante da roupa ainda esconde certos deslizes entre malha e tecido.
Aqui já pensamos o leitor quando lê o quê? ancora a massa textual de uma página tão cheia de sintaxes negras e manchas tipográficas, pode dar uma textura à mais no reflexo da imagem do leitor perante à leitura. O processo todo de pegar o tecido na papelaria, checar o comprimento e caimento da linguagem ver com olhos do outro seu próprio feitio singular de não esconder sua imagem corporal que também carrega tecidos ósseos, carnes, órgãos que por timidez ou acanhamento precisam de uma vestimenta para ocultar a semiótica página branca.
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