FERNANDO ANDRADE
jornalista e crítico de literatura
Nada mais chato para a língua do que o senso comum. A poesia não lida bem com ele. Vive raso, nas superfície das coisas, habita a pele, não tem tato com os sentidos e as afecções. Mas até a pele guarda segredos; a pele esta à mostra, mas é subcutânea. A língua é um oceano de gradações e filigranas de cores e tons de sentidos e significações. Quanto mais fundo, mais sua matiz se torna imagem, cor, metáfora. Entrar em acordo com outra superfície, aqui deslocando o sentido da própria palavra e efetuando um exercício de alteridade. Como a superfície do mar. Como se tornássemos nossa pele, a água que nos envolve como útero, fazendo imagem-metáfora, algo que não parece natural, mas assim se torna. Usar outra pele, ser outra pessoa, vestir um personagem que não nos pertence. E ter com esta paisagem uma sensação de familiaridade. De pertencimento.
A poeta no seu novo livro de poemas, Azul Caixão, editora Primata, faz um linha vertical entre uma superfície onde temos toda inclusão tanto de nossos órgãos como o pulmão que puxa o ar, do meio que respiramos, mas somos a nossa internalidade de órgãos, vísceras e sangue. E desloca esta linha para uma profundidade que não se mede tanto no espaço em réguas, mas em estética, em coloração no que a imagem pode se tornar um pouco de mito, de arquétipo.
Seus poemas partem do início da superfície onde a linha do horizonte é visível ao olho humano. Onde o senso comum ainda impera, com sua nomeação, suas identidades prenhes de certeza. Quando a poeta submerge em seus poemas, as relações de distâncias se desfazem, os sentidos se tornam porosos, a relação entre palavras e sentidos vão se dilatando entre espaços sem latência de fricção, por dizer apenas. Ali a poeta começa a usar a metafórica arte de “iludir” ou sombrear suas cores-matizes da linguagem. Repetição de palavras-imagens; uso dual de línguas sonoras e semânticas.
A expressividade parece aumentar diante da relação mais distante da superfície das coisas. O sentido longe numa ideia de azul caixão parece grudar aos nossos olhos em coloração azul turquesa. O mergulho nas palavras parece não ser apenas uma simples imagem. A ideia que a poeta exprime em seus frequentes inícios de poemas: afogamento, parece não ser literal, como um tanque de oxigênio colado às costas de um mergulhador. Aqui a consciência que é uma parte desperta, parece virar seu avesso, e nos permitir tomar parte de uma visão onírica ao meio que estamos.
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