Cinco poemas do poeta Álvaro Hernando Freile – Tradução de Sandra Santos

POETA ESPANHA - Cinco poemas do poeta Álvaro Hernando Freile - Tradução de Sandra Santos

Álvaro Hernando Freile (Madrid, Espanha, 1971)

Professor e antropólogo, especializado em investigação da linguagem. Autor do livro de poesia publicado em Chicago, em 2016, «Mantras para bailar» (Ed. Pandora Lobo Estepario). Esta mesma editora está a preparar os volumes já concluídos de poesia: «Chicago Express» (2017) e «Geografía del Alma». Recebeu o prémio Poesía en Abril 2018 no âmbito do Festival Internacional de Poesia de Chicago. Durante o seu percurso pelo jornalismo, dirigiu e apresentou vários programas de rádio em que a literatura desempenhava um papel especial («Cómo decirte, cómo contarte», «Este perro mundo»), colaborando, além disso, em diferentes meios, incluindo-se aqui a publicação de poemas e relatos em diferentes revistas. Participou em várias obras interdisciplinares, destacando-se a peça musical contemporânea Leaving the confort zone, do compositor Enric Riu (Chicago, 2015), em que é usado o seu poema «Gruta». Alguns dos seus trabalhos foram traduzidos para o polaco, romeno, búlgaro, inglês, francês e português.

 

 

O Ex-Cravo

As pequenas
escravidões,   ou
cravados à desculpa

Vejo-me atado a mim mesmo
cravado a tristezas ridículas,
a um exame suspenso,
ou a uma espera prolongada,
           ou a uma desculpa banal;
cravado a algo que me deveria
causar surpresa,
riso, gargalhada, nada.

Mas há um cravo,
          auto-compaixão,
forjado por anos de má-criação e preguiça
que me fixa a um momento malgasto.

Quando é que esse cravo se tornará cicatriz e lembrança?

Quero ser ex-cravo liberto
           que desata nós de madeira.

 

 

Pele de dragão

                                                       A prisão da desconfiança,
ou a escravidão duma vista
aguda

 

Não aceita a pele de dragão a carícia da donzela.
Incomoda-lhe, como nos incomodaria a todos,
que uma pele que não é a nossa,
que não seja a sua,
venha tirar-nos o sossego
fazendo-nos tantas cócegas
que já não deixa escapar o eco dos nossos medos
nem os anseios infantis.

 

 

Do outro lado do espelho

A gana de ser
outro ou a escravidão da auto-
decepção

 

Existe um mapa sem caminhos,
nem cordilheiras, nem mares.
Não há uma miserável cabana na sua quadra.
Podes apenas encontrar, se observas bem bêbado,
um passo perdido no abismo
e uma mulher despida na banheira
e um homem olhando-a do outro lado do espelho,
uma sorte de novo espectro a preto e branco,
e um instante unido ao outro por um fio tenebroso.

Tudo leva a esse sexo na penumbra
do qual quer encanar Astério
como dócil e apaixonado menino
pela sua mãe, apaixonado
pela luz, apaixonado
por Teseu, apaixonado
pela morte, apaixonado.

Não é possível prever o caminho da besta,
nem abandonar o espelho
de que já se é um reflexo esquecido,
ainda que o claro-escuro o mantenha atado à luz
e ao cordão de Ariadne, umbilical,
fugindo para a agulha desembrenhada
e perdida num palheiro em chamas.

 

 

Xadrez

A escravidão da estrutura,
ou a dominação
imposta.

Na colina fizemos o cemitério
com rama seca e alabastro.

Era tão belo, tão ordenado.
Um tabuleiro de xadrez
em que as rainhas e os reis
superaram sempre os peões
os cavalos, as torres e os bispos.

São tantos que agora ninguém pode iniciar a partida.

As torres vestem-se de era,
os bispos dormem e os cavalos morrem de sede,
as suas crinas atoladas na rama seca,
(essas que também mastigam,
como se fossem tâmaras carnosas,
tanto o rei como a rainha).

Ali, no nosso belo cemitério.
Sobre a colina.

 

 

O xadrez (no jogo)

A escravidão do tempo,
ou a morte
inexorável.

De onde eu vejo tempo à fuga,
Eva vê passos de dança.
De onde eu vejo o pasto sobre a sombra,
ela um tabuleiro de xadrez
                                na periferia da aldeia.

Eva é sábia e pertinentemente pura
e tira-nos da dúvida e do reflexo
oferecendo o jogo e a palavra
absorta nos seus livros cheios de ideias de inocência
                                           afastada da área de Marte.

Algum dia talvez eu seja um dos roques
nesse imóvel tabuleiro de xadrez
que se estende desde o horizonte
até ao verde capim que acabará por crescer
                                  sobre os nossos caixões.

Pasto para cavalos.

 

 

 

Sandra Santos Portugal 2 1 240x300 - Cinco poemas do poeta Álvaro Hernando Freile - Tradução de Sandra Santos

Sandra Santos nasceu em Barcelos, Portugal, em 1994. É poeta, professora, tradutora e revisora. Licenciada em Línguas e Relações Internacionais (Universidade do Porto), é mestre em Estudos Editoriais (Universidade de Aveiro). Atua como docente de português como língua estrangeira. Está envolvida em vários projetos culturais, artísticos e literários.
Os seus poemas e traduções estão publicados em antologias, revistas e blogues em Portugal, Espanha, América Latina e Estados Unidos. O seu primeiro livro de poesia, éter, publicado em novembro de 2018, foi selecionado por um programa de apoio à edição e tradução do Instituto Camões e da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) de Portugal para ser publicado em português e espanhol no México (Ediciones Eternos Malabares) e no Brasil (Editora Jaguatirica).

 

 

 

Please follow and like us:
Be the first to comment

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial