Fernando Andrade
crítico literário e jornalista
Você já ouviu uma música que o deixou com uma sensação tanto de saudade como de tristeza? Aquela canção vem de você depois de muito tempo sem acessá-la. Ela está dentro de você de forma quase epifânica. Quando a escuta, um torvelinho de memórias lhe arrebenta o peito e você desata os nós das lágrimas.
Não sabe porque chora? É muito distante a relação de causa e efeito entre a audição da melodia e a ebulição do choro. Passamos pela vida com uma espécie de baú onde existem coisas inimagináveis. Podem ser até memórias, mas no decorrer do tempo, são pequenas partículas que se desprendem de você para ficar num lugar hermeticamente lacrado. Diria que você, breve humano, solte pela vida pequenas partes de sua singularidade, que soltas amainam dentro de baús que só abrem a fechadura quando aquela música toca, quando a musa… Aquele idealismo que não tem corpo, pode ser uma mulher que nunca mais que foi vista ao virar à direita numa esquina, nela você depositou todo o seu desejo para depois não mais enfeixar os seus doces devaneios. Doce sonho não realizado, em corpo e desejo.
As ações nos dão certo lastro perante a vida. Elas são tomadas através de visualizações do outro, no aspecto de como a relação se dá no coletivo, nós agimos e somos feitos de escolhas. Assim Pietro Frendler foi para os seus pais: seu pensamento seria uma forma de não agir pela escolha. O pensamento girando sem\na ação: boa ou má? Ou é um rastro de outras consequências, de ações que foram não levadas em conta.
O personagem do romance As reflexões de Pietro Frendler é um despertencido do mundo, de estar desenraizado tanto da família, como de Pietro carrega em si toda humanidade pelo entorno, é bom e carinhoso com seus pacientes, bom profissional. No decorrer da narrativa, ele se apaixona por uma moça de origem árabe. Ela some, mas dentro dele uma imagem do amor idealizado, mal conhecido, numa tarde de carnaval, parece retinir dentro de sua persona. Eros e Thanatos são realmente irreconhecíveis perante a fisionomia um do outro? O pensamento de Pietro o faz assim, porque olhou para região interna de si mesmo, sem externalizar sentimentos, não moldando sua personalidade-personagem ao mundo que claro não é nada pacífico. W.R. Delcaro, o autor, que trabalha como bombeiro, em Curitiba, faz deste romance um ethos quase existencialista, nutrindo a linguagem um pouco barroca com digressões levíssimas sobre arte e filosofia. O homem pesado\fardo parece que carrega ou faz de certa musicidade – uma elegia não tão intencionada de morte.
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