Três poemas de Claire Feliz Regina

CLAIRE FOTO - Três poemas de Claire Feliz Regina

 

 

A receita de bolo

Meu vizinho queria fazer um bolo,
me pediu a receita.
Eu não tinha a receita,
mas eu tinha vinte anos!
Fui ajudar…
Não tinha farinha para ele amassar
com as mãos,
ofereci meu corpo
e ele amassou.
Não tenho açúcar, ele me disse,
ofereci meus lábios
e ele beijou.
Ele era bom cozinheiro,
pôs o leite para ferver,
o leite fervia no meu corpo inteiro.
Nós dois queríamos fazer o bolo,
mas…e a receita?
Ele abriu o caderno,
estava escrito,
me ama.
Não fomos mais para a cozinha
fomos para a cama.

 

A estrada da vida

A cidade onde eu nasci,
as ruas por onde andei,
os lugares que eu conheci
e as paredes onde eu amei.
Deles eu nunca me esqueci.
São os lugares da minha vida,
espaços da minha memória,
se um dia eu for poeta,
vou cantar em sua glória.
Ela pensa que se lembra de todos,
mas há uma estrada
que anda muito esquecida,
justamente aquela, que foi a primeira
por todos nós percorrida.
Nenhum poeta fez versos para ela,
nem você se lembra do nome dela:

“Perereca”, “ xoxota” e até “periquita”,
são nomes que dão para ela,
mas você sabe, na verdade, o que ela é,
ela é a porta de entrada da vida.

E se você não nasceu de cesariana,
tenha mais carinho ainda com a

“perseguida”

Pois ela já foi, um dia,
a sua única saída.

 

 

A mulher objeto

O que será que a agulha sente
quando passam a linha por ela,
será que ela sente dor?
Será que ela sente prazer?
Ninguém se preocupa em saber.
Eu sou como a agulha.
E quando a linha está passando,
eu finjo que estou gostando,
faz parte do meu trabalho.
É assim que pensam os insanos.
Estou casada há muitos anos.
Uma mulher como eu,
sempre mente.
Mente o que não sente,
mas sente muito o que mente.
Assim como a agulha,
eu costuro, lavo e passo.
E às vezes, até me entusiasmo,
mas meu marido nunca pergunta
se eu já cheguei ao orgasmo.
Ele me deixa no agulheiro.
Só trabalho quando ele quer.
E ele ainda me diz:
É para isso que serve a mulher.
Vou sair desse agulheiro,
procurar no mundo inteiro
o homem certo para mim.
Sem essa de meu marido,
sem essa de minha mulher.
Agora, no buraco da minha agulha,
só vai passar a linha,
o homem que eu quiser.

 

 

Claire Feliz Regina – Eu era, eu era, eu era… Eu era uma mulher linda, de trinta anos, de trinta, de quarenta, de cinquenta desenganos. Agora eu vivo, mas não faço planos. Eu já fiz 91 anos.

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This Article Has 1 Comment
  1. José Carlos Brandão Reply

    Beleza de poesia. Gostei de ver o domínio do fazer poético.

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