FERNANDO – Nos seus poemas existem uma musicalidade que me lembra os cânticos medievais, baladas trovadorescas, onde o autor com certo teor analítico\filosófico narrava uma região ou uma certa temática cultural. E na minha opinião esta estética não torna o livro anacrônico, muito pelo contrário. Fale um pouco disso.
MATHEUS – Na verdade, eu não tinha pensado sob este ângulo. Lembrei-me de uma entrevista do Mário Prata no programa do Jô em que ele relatou, às gargalhadas, que tentou resolver uma questão de vestibular sobre um livro seu e errou. Por que digo isso? Porque a partir do momento em que o autor publica a obra, ela não é mais somente dele. Pertence aos leitores e às suas interpretações. Roland Barthes dizia que a arte é superior à ciência justamente porque não pretende ser verdadeira, porque não quer dar respostas definitivas sobre o mundo e sobre o ser humano. Ao contrário: ela suscita a multiplicidade. Concordo com ele. Meu livro ser lido de uma maneira tão peculiar me é motivo de orgulho e alegria.
FERNANDO – Neles também pairam uma espécie de enredo com muito humor e certa sátira ou ironia. Na tua cabeça, como você projetou os inícios dos poemas? O que vinha primeiro o tema ou a forma?
MATHEUS – Meu processo de escrita é bem variado. Mas, de modo geral, primeiro vem o tema. Que pode ser um verso, um período em prosa ou até mesmo uma única palavra. E estes temas aparecem em momentos inusitados, sobretudo no trânsito, no banho e nos bares. Escrevo a ideia no instante e fico alguns dias ruminando. Exemplo de anotação num guardanapo: “pai no leito de morte diz ao filho ateu que sente muito medo do que está por acontecer”. Depois, decido a qual gênero o tema pertence. Este citado se transformou num conto. Muitos dos meus textos literários têm como matéria-prima a observação das coisas rotineiras, de conversas, de frases soltas. Exemplo: estávamos viajando de avião. Meu filho, que à época tinha 6 anos, disse quando o avião ultrapassou a altura das nuvens: “Papai do céu nunca toma chuva”. Essa frase se transformou num verso meu: “Deus não precisa de guarda-chuva”.
FERNANDO – Há uma linha muito tênue entre o sacro/sagrado e o profano. Mas a tua linguagem está mais para um certo pendor dionisíaco, embora haja pequenas referências à religião. Como foi este processo? Desta relação entre contrastes?
MATHEUS – Uma das epígrafes do livro, que na verdade, é invenção minha, reflete bem isso que você apontou: “É na arte, em especial na poesia, que sagrado e profano se costuram”. Aliás, o próprio título foi construído sobre essa percepção. O título, na verdade, era um poema de um único verso: “a poesia é um clitóris encostado na eternidade”. Acredito que é na poesia que se goza o encontro entre efêmero e duradouro, entre ser e devir, entre uno e múltiplo. Para mim, a poesia é a ponte entre o orgasmo sensível e o intelectual.
FERNANDO – Há uma força política no sentido mais libertador, ou libertário, em que você parece soltar os lastros e amarras de qualquer sentido binário ou sectário. Que tipo de reflexão o seu livro pode fazer neste processo [nosso] tão nucleado?
MATHEUS – A reflexão é que, em última instancia, toda obra de arte é um ato político. Isso é muito diferente de dizer que a arte deve ser engajada, porque, se assim for, corre-se o risco de cair no panfletarismo. Tem um trecho do Leminski que fala disso: “A arte é a única chance que o homem tem de vivenciar a experiência de um mundo da liberdade. As utopias são, sobretudo, obras de arte. E obras de arte são rebeldias. A rebeldia é um bem absoluto. Sua manifestação na linguagem chamamos poesia, inestimável inutensílio.” A literatura, pra mim, é um meio de humanização do ser humano. É com ela que poderemos, de algum modo, reverter o cenário de horrores e absurdos que estamos vivenciando.
FERNANDO – Como foi pensar as citações tanto em canções como em reflexões de filósofos para abrir cada seção\ capítulo?
MATHEUS – A princípio, o livro não estava pensado em seções. Na verdade, eu escrevi os poemas por anos (antes mesmo de publicar meu primeiro livro de contos, Violeta velha e outras flores, em 2014, eu já tinha alguns escritos) e, depois que tinha um número considerável, percebi que alguns deles versavam sobre temas afins: o tempo, problemas políticos, questões existenciais, paradoxos religiosos etc. Daí pensei em juntar os que guardavam semelhanças e nomear cada seção. Dois exemplos: “no confessionário ou no umbigo de deus” e “na ágora de agora ou na falta dela”. Enviei o livro para um amigo, grande artista, Ubirajara Junior, que ilustrou cada parte (a ilustração da capa também é dele). Por fim, pensei que enriqueceria o livro se cada seção contasse com uma epígrafe.
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