Romance “Cercas de Pedras” barbariza a sanidade do corpo-desejo da narradora Blanche no seio de uma família conservadora

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Fernando Andrade
crítico literário e jornalista

 

Elia Kazan teve uma filmografia extensa com filmes falando sobre o desejo à flor da pele na relação da pele com este mesmo desejo numa minúcia entre o sentir masculino e o sentir feminino com relação a latência deste Eros mais carnal e corpóreo. Era importante para o diretor focar o desejo na opressão de um estado violento e moralizador. Enquanto Elia multiplicava seus filmes nesta temática, sua mulher Barbara Loden realizou apenas um único filme que ficou na retina e memória dos cinéfilos do mundo todo; virou uma peça-cult-pérola, nas cinematecas de todos os lugares. Tratava-se de Wanda, dirigido pela esposa do kazan, e protagonizado por ela mesma. Estética minimal de um animal na jaula não domesticado, o filme é impressionante selvagem em seus aspectos de crítica da moralidade cristã mundinho-burguês. Por quê? O filme se coadunava com a estética de John Cassavetes, um dos principais cineastas autorais do cinema americano de 60 e 70. Filme franco, falando das camadas do ser, quem sabe até Satreano, frisando posturas novas sobre o feminino.

Aqui digo do nervo exposto não porque está fraturado por alguma doença auto-imune, os organismos reagem ao sistema-ambiente, mas porque na linguagem da arte às vezes é preciso um nervo a exprimir excesso de uma linguagem (exposição), exprimir contaminações de uma linguagem epidérmica, que faça esta relação entre corpo-organismo e meio externo.

Pois falamos também de homeostase, a regulação harmônica do organismo em seu meio. Projetar filhos no meio, jogá-los ao ambiente regulador entre ordem e caos. Blanche personagem narradora do romance Cercas de Pedras, editora Penalux, da escritora Jeanne Araújo vem de uma linhagem desemparelhada. Pai boêmio e cinéfilo, nutre uma liberdade pela vida sem filtros moralizantes. Já a mãe carrega o peso de uma sina cristã, junto com a tia que prega o trabalho num apelo não tão justo na balança de uma justiça divina, onde há a balança neste tipo de justiça na fé cega e faca amolada.

Blanche cresce sobre antípodas de afeto, e logo quando adulta se individualiza perante esta mesma liberdade autônoma da personagem Wanda no filme. O preço do sentir à flor da pele dará a Blanche como a Wanda um nervo exposto; uma linguagem fraturada na sua exposição ao mundo-entorno. Jeanne numa escrita muito filigranática, desenvolve este enredo quase com um roteiro cinematográfico, nuançando com muito zelo o perfil da personagem, em seu momentos-cenas transbordantes de volição pela vida, em não detrimento de um moral escravizante sobre o juízo de viver sobre – aqui não uso a loucura como efeito patologizante, embora a personagem esteja adoentada, e tratada em sanatórios, mas também usando um pouco das imagens do cine-olhos, que abre vistas sobre o desejo, uma outra di-visão do meio que regula e controla quase , humanos. E nesta linha que o romance da autora desnovelará este fio labirinto de memória e sanidade.

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