À primeira vista, ao primeiro toque, um livro bonito, título instigante, capa sóbria e elegante. Com 82 páginas, talvez uma leitura rápida, entre um compromisso e outro, em um vagão de metrô com um providencial lugar sentado. Mas nada é como parece: o livro continua bonito e a capa, elegante – mas a leitura fez crescer as 82 páginas e as tornou do tamanho do mundo.
Um mundo que se divide em partes, como é de bom-tom nos meandros da matemática que o título sugere: “Logaritmosentido”. Logaritmo, aquela coisa que suamos tentando aprender na escola, aquelas tabelas enormes que se chamavam tábuas e nada mais eram do que números e números e números – um livro inteiro, encadernado e tudo, e só cheio de números! Certamente não é o caso deste “Logaritmosentido”, suas diversas partes contêm letras, palavras: contos e/ou poemas – poemas que são contos e contos que são poemas – e a expectativa então é que estas palavras nos tragam o sentido do mundo que a fria ciência dos logaritmos não nos trouxe.
A primeira parte, “Sentido exponencial”, talvez nos fale disso: uma protomatemática que, poética, não aponta para um sentido único, como fariam os logaritmos: as notações são difusas (1+1 pode ser muito mais que 2, “enquanto zero lia caderninhos de pornografia”), as leis da física são subvertidas (“a pedra só afunda se ela parar, ausentar-se do movimento. (…) O suicida não consegue ver isso, por isso afunda), o único sentido é o do paradoxo.
Em seguida, “Infância e normatividade” nos conta de uma criança, Ana (um palíndromo), que “passa a maior parte do dia caçando eventos buliçosos”. E de um rapaz chamado Mark – seu nome é seu destino, uma “marca”. E de um banco de praça e seu habitante transitório e seu cachorro. Um galo degolado. Personagens que, descritos em poucas palavras, alçam a vida com suas estranhezas, como atores mudos em um filme surrealista.
Seguimos lendo “Logritmosentido” em suas demais partes: “Corpo poético”, “Teatralizantes” (dois contos nos quais os jogos de palavra me fazem pensar nos trocadilhos de Duchamp), “Ensaio”, “Paródico” (novos personagens com seus nomes esquisitos e suas estranhezas). E “Gêneros”, que encerra o livro e nos traz a mensagem: “a questão dos gêneros é muito difícil de ser percebida” – tudo é fluido, tudo escapa à redução de fórmulas matemáticas, e aqueles que estudaram a fundo as tábuas de logaritmos achando que elas iam trazer a Verdade acabaram por se perder no abismo dos sentidos.
“Logaritmosentido”, livro de Fernando Andrade. Editora Penalux, 2020.
Jozias Benedicto, fevereiro de 2020
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