sou, desde menino,
esta paisagem
esperando um afago.
(Binóculo II)
Há quem veja a poesia como uma espécie de passatempo para quem não tem o que fazer e resolve utilizar os momentos livres para derramar no papel ou na tela de um aparato tecnológico seus sofrimentos, angústias, desilusões, esperanças, amores contrariados, ódios, medos e todos os possíveis sentimentos que emanam desse ser humano que se sente tão poderoso, mas que no fundo ressente-se de uma fragilidade sem fim (ou melhor, com um fim previsível e nem sempre desejado). Mas há também quem considera a Poesia como algo essencial à própria existência, tal qual o respirar, o alimentar-se e o poder usufruir da imensa sensação (nem sempre verdadeira) de felicidade.
Para essas pessoas, a Poesia está em todos os lugares e faz parte do consumo diário que as mantém vivas. Eu, assim como alguns tantos amigos (Carvalho Júnior, Hagamenon de Jesus, Natan Campos, Bioque Mesito, Salgado Maranhão, Roberto Franklin, Celso Borges, Luiza Cantanhede, Welinton Carvalho, Franck Santos, Neurivan Sousa, Lúcia Santos, Ricardo Leão, Adriana Gama e tantos outros) fazemos parte desse segundo time. O grupo que vê Poesia como parte essencial da vida.
Como sempre gostei de Poesia, fico feliz quando chega às minhas mãos um livro que emana poeticidade e que foi trabalhado com esmero (e não estou falando do excelente trabalho gráfico, que muitas vezes faz obras parecerem bem melhores do que realmente são) e com o cuidado necessário para transformar cada arranjo de palavras em verdadeira obra de ourivesaria literária. Por isso, fiquei encantado ao receber o mais recente livro desse colega de profissão e de gosto literário chamado Paulo Rodrigues, um homem tranquilo, de gestos serenos, de palavras apaziguadoras e que vem construindo nos últimos anos uma obra sólida capaz de sobreviver à incessante passagem do tempo.
Abro o envelope e ali está o premiado livro Uma interpretação para São Gregório – segundo lugar no Concurso Literário da União Brasileira dos escritores, seção do Rio de Janeiro. A edição muito bem cuidada da Editora Penalux, remeteu-me logo às palavras do poeta Mario Quintana, para quem os livros deveriam ter muitos espaços em branco, para que as crianças pudessem decorar as páginas com imagens que passariam a fazer parte do poema.
Paulo Rodrigues – de quem também já li O Abrigo de Orfeu (2017) e Escombros de Ninguém (2018) – é um poeta experiente, dono de vasta leitura e que sabe controlar seus ímpetos de colocar cada poema em qualquer lugar e de qualquer jeito. Ele parece pensar não apenas o texto de forma individual, mas também planejar a sequência de poemas que formarão um conjunto harmônico na composição do livro. Além de excelente poeta, Paulo Rodrigues é também um ensaísta e crítico literário bastante equilibrado, o que de alguma forma acaba contribuindo para que sua poesia se torne mais refinada.
Como sempre acontece comigo, deixo para ler por último o prefácio (muito bem escrito por pelo poeta Fernando Abreu) e o texto de “orelha” elaborado pelo também poeta Dudu Galiza. Essas providências fazem com que eu aproveite com mais intensidade e sem as “contaminações de leitura” cada um dos poemas do livro. Sou fisgado logo pelos versos de “Café preto”, um cromo poético de uma realidade cruel que, ao ser vertida em forma de poesia, ganha uma beleza que preferíamos que não existisse, mas o poeta é esse ser que retira até da dor e da amargura a matéria-prima com a qual encanta seus leitores.
Os poemas curtos, quase telegráficos, no lugar de favorecerem a aceleração da leitura, fazem com que eu estacione em cada estrofe para refletir e lembrar que aquelas cenas agora traduzidas em forma de poesia já fazem, infelizmente, parte da vida de todos nós. Sem panfletismo e sem alarde, mas com muita competência verbal, o poeta caxiense faz o leitor mergulhar em um imenso campo de possibilidades de interpretações e leva todos o que tiverem contato com o livro a uma reflexão acerca de questões que vão do social ao psicológico, partindo quase sempre do particular para alcançar a universalizante necessidade de descrever, traduzir, vivenciar e compreender a dor humana em seus mais diversos matizes e nuances.
Ao longo do livro, o poeta, professor e ensaísta Paulo Rodrigues faz despertar imagens que vão além do mero alinhar palavras no papel. Ele tece um caminho que se bifurca em inúmeras trilhas, cada uma delas levando a um universo de temas que vão do nascimento à morte, passando pela infância, pela fase adulta e pela inadiável velhice que espreita quem tem sorte de sobreviver às fases anteriores. Nessa trajetória, “os calos nunca secaram/ mas os pés esqueceram o caminho” (p.45), “a escuridão da memória/ incendeia a relva” (p. 65) e, apesar de saber que “a noite não suporta/ convenções, nem lirismo” (p. 31), é sempre bom ter em mente que é importante conservar essa “estranha mania/ de felicidade” (p. 71), pois ser feliz deveria fazer parte do currículo de todos nós.
Uma interpretação para São Gregório é um livro que pode (e deve) ser lido por qualquer pessoa que seja apaixonada por literatura. Trata-se de uma leitura para os olhos, para o cérebro e para o coração, já que são páginas que despertam o que há de mais humano dentro do próprio ser humano: a beleza de incomodar-se com o sofrimento alheio.
José Neres (poeta, ensaísta e membro da Academia Maranhense de Letras)
Belíssimo texto descrevendo a obra desse monstro sagrado da literatura contemporânea brasileira, Paulo Rodrigues.
Parabéns ao José Neres pelo belíssimo texto e ao Paulo Rodrigues pela brilhante carreira.