Romance ‘Tudo que morde pede socorro’ tematiza a doença social da violência contra a mulher| por Fernando Andrade

TUDO QUE MORDE PEDE SOCORRO 778x1024 - Romance 'Tudo que morde pede socorro' tematiza a doença social da violência contra a mulher| por Fernando Andrade

 

 

Fernando Andrade| Jornalista e crítico de literatura

 A presa é capturada pela boca, garras, veneno, por um predador. Ela não tem mais domínio sobre seu corpo, sua liberdade de movimentos é zero, assim como uma certa metáfora da respiração, aquele que transcende pulmão, vias respiratórias. Morder seria abocanhar o corpo de alguém cujo poder de fuga, já não mas lhe pertence. Cerceamento da sua liberdade de escolha.

Mas morder pode também ser algo mais visceral num sentido com teor subjetivo, introjetado talvez pelo medo, receios, pavor, como um medo que alguém vê em algo que é presente, com dentes oclusos, mas doendo a mente de dor, e também uma mordida que adoenta, como são algumas relações viciadas, enfermas da alma/ corpo. Relações que são mediadas por extorsões de liberdade, provações, assédios, violência coercitiva e física. Neste momento morder deixa de ser algo só beligerante para o ataque, para se tornar algum tipo de instrumento de defesa, algo como um pedido de ajuda, um socorro, um sinal do corpo ou até um sintoma que dói tanto. A narradora do romance, Tudo que morde pede socorro, editora patuá, de Cinthia Kriemler depois de uma relação tóxica com Mateus, perde o braço, para botar um prótese no lugar, numa batida provocado por uma tentativa dele de assassiná-la dentro do carro.

Traumatizada ela se muda para uma pequena cidade de Minas Gerais, Baependi, e lá retoma ou tenta retomar sua vida. Mediando novas relações na cidade, a narradora entenderá que por mais que uma cidade pequena traga certas vantagens, em termos de preocupação social, calma de violência urbana, a natureza humana, em sua vilania, parece não escolher pouso nem destino, pelo números de habitantes por metro quadrado. Ali naquele espaço de relação social, maridos que estupram filhas adolescentes, deixam lastros de trauma, degredos. Conveniências religiosas instalam coberturas sórdidas de parentes.

Os traumas dos personagens parecem vir de um estado de degeneração, de destruição do corpo individual, como o jovem árabe, Fazal, destruído pelos Talibãs do Afeganistão, onde foi um brinquedo sexual dos soldados. Neste romance contrário à opressão coletiva e individual, onde o lobo do homem é quase uma risada de hiena aniquilando a presa humana pela estupor da violência desenfreada.

 

Imagem: https://bit.ly/2VnWJ1l

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