FERNANDO – Se eu te pedisse para você recordar sobre o que fez há exatos dez dias, até para botar no papel estas recordações, você teria certa dificuldade para concatená-las? A pressa de nosso citadino cotidiano apaga nossa fita interior dos afetos, ações. Mas ao efetivar todo seu mundo interior, com sua cena bem particular, de sua memoriamobília, as coisas passam a ter mais relevos até como as montanhas por ti descritas. Vem à tona tudo? Sensações, lembranças, volições, desejos. A escrita jorrou de você toda a linha do seu livro? Ou foi desenhada como os inícios das manhãs, onde o café está no bule, a lenha no fogão, aquele momento iniciático feito para manchar o papel de tintas de palavras?
RODRIGO – Como foi bem colocado na pergunta, “a pressa de nosso cotidiano apaga nossa fita interior dos afetos”. Nesse sentido, é real a dificuldade para descrever as ações que realizei há exatos dez dias, até mesmo porque, me veria talvez, fazendo isso de maneira um tanto quanto “mecânica”, forçando-me a relembrar o que foi sugerido.
Penso que as lembranças, podem surgir de maneira mais fluida, mais espontânea, ativadas por um momento, uma música, um poema, uma conversa com alguém, uma imagem, ou qualquer outra experiência nesse mundo. Penso que também, para isso existe a arte. Para nos colocar diante de quem somos.
Somos sujeitos que carregamos uma história. Somos seres de memórias. E onde todo isso fica guardado, se diante da agitação do cotidiano, nos prendemos ao imediato, ao agora? Já que mencionei a Arte, no trecho acima, imagino que como em uma pintura surrealista, de Salvador Dalí, trazemos em nós pequenas gavetas onde guardamos nossas memórias (com certeza as mais afetivas), que vamos “abrindo” ao longo da vida.
CIDADE DE MIM é um livro de memórias. Nele tudo vem à tona. As coisas, as vivências da infância. A partir do momento em que defini essa temática, fui abrindo minhas pequenas gavetas, desdobrando como uma roupa a ser vestida, as minhas lembranças e reconstruindo-as de maneira poética. Dessa forma, toda a escrita jorrou de mim e desenhei traço por traço, todas as linhas do meu livro.
FERNANDO – Você tem amplo domínio espacial ou verticalização dos espaços das rimas em seu poemas. Não há repetição sonora dos ritmos, (seus motivos sonoros). Ele é sempre trabalhado por ti andando pelo campo semântico ou espacial do poema. Com é este trabalho de ourivesaria poética na sua musicalidade?
RODRIGO – Sempre vejo a poesia como algo que deve trazer musicalidade e ritmo. Ao escrever e ler o meu próprio poema procuro sentir nele esse ritmo, essa pulsação. Havendo ou não, rimas no poema, penso que deve estar presente nele, certa fluidez, como algo que vai batendo e ligando um verso ao outro e que transmite a ideia do texto.
Muitas vezes, ao escrever (ou antes, de escrever), costumo construir os versos mentalmente e repeti-los, imaginando como soaria se outro alguém os estivesse lendo. Busco a música, o ritmo, a rima.
Percebo que a rima é recorrente em meus poemas e penso o quanto são importantes quando são bem construídas.
FERNANDO – Os elementos da natureza são quase formas do próprio poema, eles não parecem canções apenas temáticas. São a raiz etimológica da sua expressão poética. Como foi lapidar tantos elementos destes, através da palavra?
RODRIGO – O tema natureza é uma constante na minha escrita. Os elementos naturais me oferecem a simplicidade. Está neles o que vejo (porque são concretos) e o que sinto. O que o outro também pode ver e sentir ao me ler. Em CIDADE DE MIM, os elementos da natureza são muito fortes. No livro, abordo “tudo”, a respeito do lugar onde passei a infância e cresci. Uma cidade muito pequena e que é pura natureza. Montanhas, rio, pássaro, flores, chuva, peixe, cachoeira.
Enfim, coisas que experimentei e vivi intensamente quando menino.
FERNANDO – O título carrega uma curiosa expressividade, metaforização não só do en(eu)torno que tu poetiza, mas um desdobramento de imagens que no primeiro plano não se revela facilmente. Fale disso.
RODRIGO – Posso dizer que o título do livro veio antes dos poemas. CIDADE DE MIM traz um contexto de tempo e lugar. Revela todas as coisas existentes na cidade e que através das vivências, estão presentes em mim. Ao relembrar o pássaro em um poema, o desejo de prendê-lo, faço-me pássaro também e o coloco como aquele que distante, do alto, observa, relembra e descreve o lugar por onde muitas vezes voou. “Para onde batem as suas asas, lanço meus sonhos e desenho caminhos”. CIDADE DE MIM pode ser de qualquer um, que ao ler reviva e se veja no seu tempo e lugar.
FERNANDO – A mãe aparece em muitos poemas. Com foi esta elaboração poética sobre a figura materna e o que ela te traz de afecção sobre o próprio ato de criar?
RODRIGO – Ao abordar a imagem materna, acredito buscar em mim, os aspectos do feminino. Do cuidado, do sensível, do jeito diferenciado de arrumar a própria casa. Meu pai se foi um tanto quanto cedo e minha mãe trabalhou muito. Sou o quarto, dos sete filhos. Vejo minha mãe como uma mulher forte, guerreira e vitoriosa. Assim, desenho a imagem de minha mãe, principalmente nos poemas “Saudade de Deus”, “Devoção”, “A voz de minha mãe”, “Medo de chuva”, “Pão de mãe” e “Quero um amor” (esses são os que me lembro). No poema DEVOÇÃO, revelo o nome dela e dedico todo o meu amor. “Minha mãe mal estudou, mas me ensinou as primeiras letras, os primeiros desenhos e para o amor uma única canção. Inês, minha deusa, minha santa de devoção”.
Rodrigo é um poetão de mão cheia, de mãos dadas, de ter à mão. Sou um fã de de sua desrimática. É um grande prazer fruir e comentar sua arte.
A poesia do Bro é algo que fascina. Ele consegue brincar com as palavras e nos levar para um lugar de sonhos. O que mais gosto em suas poesias é a capacidade que ele tem de expressar força e leveza ao mesmo tempo.
Ai, ai, ai… tem coisa boa, sim, mas… essa adversativa conclusão…