ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista o escritor Lucas Daniel Tomáz de Aquino

 

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FERNANDO – Há uma tensão permanente nos seus contos onde os personagens parecem se nomear em conflitos psíquicos graves, e você tem um perfeito domínio sobre estas ações\ motivações das suas criações. Como foi matizar estas (in)temperanças do perfil destes personagens?

LUCAS DANIEL TOMÁZ DE AQUINO – A princípio, os personagens do livro não seriam nomeados. Soariam como X, Y, Z etc. Mas acabei sentindo que isso não ia funcionar muito bem, literariamente falando, já que as narrativas parecem se entrelaçar em vários momentos, seja em ações ou lembranças. E estes conflitos psicológicos, aliados à violência, são como uma espinha dorsal deste universo. O livro foi escrito durante vários anos, o primeiro conto que abre o livro e que se passa em um hospital psiquiátrico, é datado de 2012, foi o fio condutor que puxou todo o resto.

E hoje em dia, em que tudo é tido como excesso, onde tudo sobra, em que tudo é pós-tudo, onde todo amor é tido como descartável e dura o tempo de uma passada de dedos na tela do celular, me pareceu inviável não narrar estes temas conflituosos sobre a psiquê humana, onde parece residir a loucura e tudo aquilo que nos desumaniza. A ficção é o terreno perfeito para tais experimentos de loucura, desesperança e imaginação – exatamente porque o que é ficção está fora da realidade – como nossos pensamentos, que não são a realidade em si mesma, mas fazem parte dela a seu modo de ‘adequatio’.

 

FERNANDO – Queria que falasse um pouco da linguagem adotada por você em seus contos, parece um pouco científica como se viesse de um tipo de relatório. Você sentiu esta afetividade?

LUCAS DANIEL TOMÁZ DE AQUINO – Sim, a linguagem tem um papel preponderante nas narrativas. Por vezes alguns contos usam uma linguagem mais displicente, em outras, mais afetada, por vezes científica, como é o caso em alguns contos em terceira pessoa e esse tom, para mim, deu uma informalidade narrativa em meio às atrocidades, tragédias e violências que são narradas.

 

FERNANDO – Há uma sutil continuidade em alguns contos que parecem formar uma espécie de painel de uma sociedade ou de um macrocosmo. Por que optou por este tipo de mosaico e que tipo de funções estabelecem nas suas narrativas?

LUCAS DANIEL TOMÁZ DE AQUINO – Eu tento escrever um romance há 10 anos e acho extremamente difícil narrar da forma convencional. O romance que estou terminando agora tem esta coisa de formar um “universo” mais ou menos coeso, com várias histórias entrecruzadas. Acho que a função deste tipo de narrativa que uso, de não deixar nada em seu lugar, fechadinho, de terno e gravata, é como um espelho da sociedade de hoje, infinitamente divergente e onde nada supõe ordem alguma. A Física e a Ciência Natural dos gregos já dizia isso de que do caos nada se constrói. Tá no Oráculo de Delfos. E nossa pós-modernidade não deixa nada em ordem, seja no desenho arquitetônico das cidades, seja no gênero fluido do homem moderno, porque é desconstruído.
A sociedade é um todo, que é feito de partes: eu, você, a família A, B, C.

Só nos parecemos quando nos despimos da casca e quando tocamos nossa própria humanidade, o âmago daquilo que nos faz realmente humanos e que infelizmente queremos esconder por medo do sofrimento individual.

 

FERNANDO – A família disfuncional é muito bem matizada por você. Que elementos você foi coletando\captando para fazer este belo sombreado num núcleo tão cheio de conflitos e que parece tão longe de soluções?

LUCAS DANIEL TOMÁZ DE AQUINO – De minha parte, não foi consciente a coisa de criar narrativas sobre famílias disfuncionais. Os elementos que foram surgindo sempre saíam de uma inquietação que levava ao caos, um momento interno específico do personagem que o motivava a tomar alguma atitude perante o fato e a vida como um todo. Talvez em uma ou outra narrativa, como no conto sobre pai e filho que viajam juntos, apareça uma forma acidental que fuja a isto, mas que também deságua em algo que está muito longe de uma solução efetiva.

 

FERNANDO – O cinema parece aqui quase como uma metáfora de uma certa forma de coletar e gerir imagens. À luz do dia parece que os conflitos obedecem à uma reflexão de uma lente bem sintética por você. Fale sobre isso.

LUCAS DANIEL TOMÁZ DE AQUINO – Artistas em geral são meio que coletores de fragmentos. A partir disso eles transformam os grãos em um imenso castelo de areia. A metáfora do cinema me parece que surgiu depois, como um travelling. A coisa do deslocamento da câmera na mesma cena. Quando estamos perdidos em uma avenida enorme e que não conhecemos bem, olhamos para os lados a procura de uma saída, para achar o próprio lugar, é instintivo. A mesma coisa acontece quando estamos perdidos na vida, em uma enrascada, nós olhamos de um lado para o outro em busca de uma razão para o nosso sofrimento. Dos sentidos externos nos seres vivos, o mais alto é a visão, e é por isso que quando passa um vulto próximo a nós, a tendência é que olhem o rapidamente para este objeto que nos atravessa; e porquanto porquanto o tato seja o mais ínfimo, ficamos com receio de tocar algo desconhecido com as mãos quando estamos no escuro. A metáfora da câmera e de como escrevi os contos como um todo narrativo é essa sensação de estar totalmente perdido, olhando para os lados e sem saber para onde ir ou em quê tocar.

Imagem: https://bit.ly/2LbNOdz

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