ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista a poeta Adriana Barretta Almeida

    • ADRIANA BARRETTA - ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista a poeta Adriana Barretta Almeida

 

 

FERNANDO – Há um intenso trabalho com a palavra nos seus poemas, não um trabalho que parece ser tanto de revisão do campo semântico com seus signos linguísticos, com sua rasuras e novas camadas de tinta, mas sim algo mais intuitivo, uma sensibilidade, logo na primeira tessitura, que aflora de prima, fazendo do poema quase uma pintura com as cores que aparecem naquele instante. Fale um pouco sobre isso.

ADRIANA BARRETTA – Meus poemas nascem, sim, de forma muito intuitiva. Em muitos casos, são pensamentos, sentimentos que já estão em mim há tempos, e que vão buscando palavras em algum mar imenso para poderem existir no mundo.
Como uma pescaria sem mapa. De repente, uma palavra passa por perto, vinda de um livro, uma imagem, uma conversa, um outro poema. E é como se ela viesse enroscada em outras e todas elas encontrassem algo que eu preciso dizer. E isso, acho, é o principal: a necessidade de dizer. O poema vem, na maioria das vezes, quase pronto. Depois que ele está lá, aí sim me dou algum tempo para lapidar, modificar alguma coisa, trocar palavras de lugar. Mas o corpo está lá.

Quando eu digo que o poema vem quase pronto, receio passar a imagem de “inspiração” que acompanha esse mistério do criar artístico há tempos.
E não é a isso que me refiro. O poema vem como o ápice de algum acúmulo diário…de percepções, de leituras, de histórias, de doçuras, de dores, de indignações. Então ele não nasce num instante; ele é um produto da minha vida, que acontece num tempo e num lugar. Não é “ouvir o canto da musa”. Há, sim, um trabalho anterior por trás desse nascimento que é o de investigar o cotidiano em seus vários níveis de profundidade.

Leonard Cohen dizia assim: “poesia é uma evidência de vida. Se a tua vida
alimenta o fogo, poesia é só a cinza”.*

 

FERNANDO –  Os afectos são lançados no poema por você de forma muito espontânea, e natural. Com é este trabalho de não tentar filtrar as emoções e deixá-las em permanente imersão afetiva e bastante estética?

ADRIANA BARRETTA – Não é um trabalho não tentar filtrar as emoções…talvez o trabalho seria filtrá-las. Na verdade, isso é bastante difícil, já que um poema expõe o poeta de forma muito íntima. Talvez o que você, lindamente, chama de permanente imersão afetiva seja uma forma de estar no mundo que vai além do poema. Acho que, sim, tenho em mim o gesto constante de imergir nos afetos, tanto os que vivo quanto os que presencio – e com afetos quero dizer tudo o que nos afeta como seres humanos. A estética talvez seja uma consequência natural desse envolvimento. Talvez. A poesia tem esse poder de criar vínculos com o mundo, com os detalhes do mundo. Tanto o de dentro quanto o de fora, e que, no final, são uma coisa só.. Neruda, por exemplo, tem um poema que é uma ode à cebola. Ele é afetado pela beleza de uma coisa tão banal, mas que de repente se torna algo que o atravessa. Porque ele está imerso nesse estado sensível de se deixar tocar.

Eu escrevo poemas que são lidos também por crianças. E aprendo muito convivendo com elas. Crianças vivem em um estado poético permanente, de questionamento, de deslumbramento, de indignação, de investigação.
Quem me dera um dia poder atingir essa intensidade de viver…Por enquanto, tem que me bastar escutar, admirar e tentar evoluir um pouquinho.

 

FERNANDO – As polissemias em torno de ideias núcleos são tão bem alinhavadas em torno do ritmo e som, tuas rimas são bem intuitivas e matizadas com camadas de sentidos. Como é o trabalho de partear (parto) de um poema, para ele não soar extensivo e acumulado em excessos?

ADRIANA BARRETTA – Acho que você tocou num ponto muito importante. Não sei explicar isso muito bem, mas os poemas nascem com uma melodia. Não no sentido de canção, não sei se saberia musicá-los. Mas de alguma forma eles pulsam um ritmo e uma sonoridade que eu tenho que obedecer. As rimas entram nesse processo. Não é uma escolha por escrever um poema rimado – eu, particularmente, gosto muito de poemas sem rimas, de prosa poética.Mas a rima já vem “enroscada” (para usar a imagem da primeira resposta) nessa sonoridade. Há o trabalho de seleção e cortes, sim, para que não pese o poema. Algumas são jogadas de volta ao mar. Mas algumas acabam se impondo. Talvez aquelas mais carregadas de sentido, como você diz.

Interessante que relendo sua pergunta agora, me chamou atenção a comparação com o parto. E é mais ou menos isso mesmo. Começa desde a concepção, passa pelo tempo de gestação. E chega ao trabalho de parto, que não é algo planejado. É orgânico. Seu corpo e outro corpo mandam em você, estabelecem um ritmo que você tem que seguir. Os movimentos, as contrações, as dores e até o rostinho do bebê que nasce são imprevisíveis. Eu sei por que tive um parto assim… A analogia com o poema é perfeita. Mas o parto dói mais. Senão todo mundo – tirando os muito corajosos – escreveria no máximo três poemas na vida.

 

FERNANDO – Achei seus desfechos incríveis. Terminar um poema sempre foi para mil algo desafiador. É realmente aquele laço que se enovela de forma que não deixe o poema apertado, mas sim com alguma folga para o leitor ver bonitos espaços abertos. Como você pensa os arremates?

ADRIANA BARRETTA – Às vezes tenho impressão de que o poema nasce gota a gota, e quando vejo tem um rio caudaloso correndo para uma certa direção. Como se soubesse exatamente onde quer desaguar. Talvez seja porque no final esteja o início do poema, aquilo que fez com que ele precisasse existir. E um poema, pra mim, nunca é uma resposta ou uma verdade. É uma busca de sentido, é dar materialidade a alguma inquietação. Talvez por isso o poema permaneça cheio de espaços. Porque deságua no mar, e o mar é o final, mas nunca é fim.

Acho que é isso.

Obrigada, Fernando, pela leitura cuidadosa, pelas perguntas instigantes e
pela oportunidade de me fazer refletir sobre meu próprio trabalho.

*na tradução linda de Fernando Koproski

 

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This Article Has 3 Comments
  1. Rosália Barreira almeida Reply

    Suas respostas a esta entrevista já são um poema.Ansiosa para ler o livro . Parabéns.

  2. Verônica Fukuda Reply

    Amo seus poemas. Obrigada por semeá-los pelo mundo.

  3. Déa Maria de Oliveira Aguiar Reply

    Amei ler a entrevista! Interessante que as perguntas foram muito sensíveis, profundas… mas suas respostas, Adriana, foram poéticas! Incrível! Muito ansiosa para ler essa preciosidade! Parabéns por nos brindar com tanta se sibilidade e poesia até para ser entrevistada !❤

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