FERNANDO ANDRADE – Como você compôs (aqui no sentido musical do termo) seu livro unindo um formato da canção como uma linda estética sobre a cor azul, traçando todo um vasto e afetivo repertório sensual e temático sobre canção, melodia, e até estilos musicais? Do samba ao jazz.
RAFAELLA BRITTO – Bem, posso dizer que a poesia surgiu em minha vida através da música. Minha avó, cantora de sambas (homenageada no livro), cantava para mim quando criança, e por isso tenho uma memória afetiva bastante forte com respeito ao lirismo da velha guarda do rádio, vozes possantes que cantavam versos de amor e dor. Logo fui introduzida por meu pai (também escritor) a outros gêneros como o jazz, o blues, a bossa nova, o soul… Cresci assim, encantada pela melodia das palavras, e durante muito tempo, música e poesia foram indissociáveis para mim. Naturalmente, quando tive a ideia de escrever um livro, quis criar algo que unisse essas duas formas de expressão que me acompanharam ao longo de toda a vida. Os poemas foram se construindo a partir de recordações, sentimentos, e também estudos sobre o samba-canção e a jazz poetry de autores e compositores norte-americanos do século 20.
FERNANDO ANDRADE – A tua precisão métrica e melódica me chamou muita atenção, na variedade de combinações rítmicas e do som encantatório dos versos. Você pensou primeiro na linguagem? Ou a temática foi se costurando junto com a linha dos poemas, nos próprios gêneros que cada qual encerrava?
RAFAELLA BRITTO – Na verdade, um pouco de tudo. Meus primeiros poemas (alguns dos quais integram o livro) foram pensados para serem cantados. Porém não havia, inicialmente, um projeto claramente traçado. Algumas vezes me deixava guiar por melodias já existentes, outras vezes as criava. Os textos foram sendo compostos sem partitura, de maneira, por assim dizer, caótica, muitas vezes resultando em jogos lúdicos e de improvisação, algo bastante próximo da jazz poetry em sua essência. Assim, sem uma forma pré-estabelecida, busquei o tom exato de cada poema-canção, tendo como fio condutor temáticas recorrentes na música negra (amor, fé, esperança, sensualidade, identidade).
FERNANDO ANDRADE – As citações e as referências do cinema, da música, são tão bem alinhavadas por você no espaço semântico da canção, a costura é tão bem feita no tecido das linhas poéticas, que não se faz notar o que é autoral do que é apropriado culturalmente. Fale um pouco sobre isso.
RAFAELLA BRITTO – Como disse anteriormente, os primeiros textos foram pensados para serem cantados, porém não eram, em princípio, parte de um projeto. Com o passar do tempo, percebi que os poemas dialogavam entre si, e foi quando decidi uni-los pela mesma linha melódico-sentimental que permeia o repertório da música de origem negra, e, a partir daí, passear pelo cinema, o teatro, o orientalismo, o modernismo. Prelúdio in Blue reflete um momento pessoal particular, no qual questões de amor, memória, raça e identidade se traduzem em sons, em símbolos que, quando em conjunto, formam um todo harmônico. Para dizer a verdade, esse processo se dá de forma mais intuitiva. Trata-se da internalização de imagens poéticas e da ressignificação de minha própria experiência existencial a partir delas.
FERNANDO ANDRADE – Como é Rafaella Britto nesta linda cortina que é Prelúdio in Blue? Porque me parece que este livro tem um certa partitura de personagem, algo como uma elegia ao teatro, onde vestimos o outro, na sua bela voz, uma alteridade provável, e também que ao experimentarmos um texto para memorizá-lo, estamos eternizando-o pelo poder das palavras e também do silêncio.
RAFAELLA BRITTO – Você observou bem, e é verdade. Prelúdio in Blue é uma obra de caráter confessional. Os poemas foram ordenados de modo a constituírem um livro-cancioneiro, uma narrativa em devaneios e fragmentos. São os cantos de uma jovem poeta que, partindo em busca de si mesma, reencontra-se com seus traumas, suas mágoas, suas paixões, personagens e mitos ancestrais que atravessam seu imaginário de menina e de mulher. O título é sugestivo desta tentativa de contar uma única história: blue – a cor que dita a cadência desse pequeno cancioneiro; e prelúdio – os primeiros cantos, prenúncio de outros maiores que virão.
Uma mulher com múltiplos talentos e que ainda vai muito longe!
Uma linda entrevista! Grande mulher!
Entrevista incrível com uma escritora pra lá de promissora! Adorei!