ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista a poeta Isabela Sancho

Monstera Sancho - ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista a poeta Isabela Sancho

 

 

Fernando – Me veio à mente duas palavras que o jogo infantil tece quando há certo crescimento interno em relação ao meio: Curiosidade e brincadeira. O aspecto lúdico só é “ativável” se o ser nutre interesse pelo entorno. Nos seus poemas estas duas funções cognitivas parecem plenas em seus poemas. Fale um pouco sobre a questão.

Isabela: Que interessante, nunca tinha pensado em “Monstera” nesses termos. O que sentia é que o humor estava posto em uma parte dos poemas, às vezes em algum tipo de ironia, outras vezes em uma espécie de maldade infantil, nos poemas que assumem um eu-lírico criança. Mas concordo que a curiosidade exista: há um bom número de poemas que são um exercício de imaginação sobre o que seria estar viva em outras peles. Será que a leoa está brava ou entediada dentro da jaula? A planta carnívora não cansa de ficar só parada esperando que a comida venha até ela? E se eu fosse a Medusa decapitada? Talvez uma criança com vontade de brincar de coisas esquisitas tenha mesmo se apoderado desse livro!

 

Fernando – Há certos deslizamentos da linguagem para ver a relação do ser com o entorno. A ação canibal ou não, troca de olhares e gestuação, e você faz do poema este balé cinético onde além do movimento pelo espaço da página, há certa dança com as internalidades das palavras. Por que optou por este movimento no poema?

Isabela: Creio que tenha havido um maior esforço consciente para potencializar as assonâncias. Na época em que escrevi esses poemas, estava começando a fazer parte do meu processo criativo lê-los em voz alta para ver como soavam, aproveitar atos falhos para ver por onde as palavras se apontavam sozinhas, fazer substituições a favor do som mas sem perda da imagem ou do sentido. A música e eco das palavras é um dos prazeres que se descobre na escrita da poesia conforme vai se ficando mais íntima dela.

 

Fernando – A relação de ódio e desprezo com certos bichos, você parece desprezar com os poemas sobre os insetos ( baratas). Ali parece haver um exercício de alteridade de se colocar na casca da outra, não havendo possibilidade da pele. Com foi exercitar tal “afeição” por seres que no usual são esmagados com o chinelo\ pé?

Isabela: Já diz a psicanálise que existe algo da ordem de um desejo nas fobias: algo que é capaz de nos fazer arrancar os cabelos, nos tirar o sono, se tornar um assunto central da emoção, há de conter um amor às avessas. Nesse poema eu tentei levar a relação de amor e ódio com a barata aos mínimos detalhes infernais de um eu-lírico obsessivo. No final, a barata vence.

 

Fernando – A interioridade feminina é muito bem poetizada por você, mas elas aparecem não apenas num discurso feminino, e sim, hibridizados por aspectos do vegetal e animal. Como foi mimetizar sentimentos humanos no reino vegetal e animal?

Isabela: Aquilo que enxergamos no mundo é sempre filtrado por nossa subjetividade, assim como projetamos nas coisas um bom tanto de nós mesmos sem percebermos. Antropomorfizar aquilo que tomamos como objeto poético, em alguma camada e por mais sutil que seja, me parece inevitável.

 

Fernando – Você é uma artista inquieta? Há um fio muito bonito ligando todos os livros que este crítico já leu. Você pensa nos seus três livros de que forma?

Isabela: Penso que “As flores se recusam” e “Monstera” têm alguns aspectos em comum: ambos são uma coleção de poemas onde estar viva não passa apenas pela experiência humana. Ambos têm imagens vegetais em alguma medida, mas em “Monstera” elas ganham uma maior violência, um traço animalesco. Já meu segundo livro, “A depressão tem sete andares e um elevador”, consiste em um sequência de poemas que compõem uma narrativa e é preciso respeitá-la na leitura para que a trajetória do eu-lírico faça sentido. Meu quarto livro “Olho d’água, espelho d’alma”, que deve sair esse ano, também segue essa segunda abordagem. E sim, em todos eles a inquietação é um movimento que impulsiona a arte.

IMAGEM: https://bit.ly/3bGAGYP

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