FERNANDO ANDRADE – Há um belo desenho de um certo traço entre uma vida de um menino-homem e sua memória. Como aqueles romances de formação que líamos dos autores europeus, principalmente. E teu traço da sua pena que fica entre o pictórico e a escrita, desfila pela esquina das lembranças todo um mundo ou universo sentimental. Fale um pouco sobre isso.
LUÍS PIMENTEL – É isso mesmo. Grande parte dos poemas deste livro vem do universo da memória, do território das lembranças. A imagem dos “romances de formação” é muito boa, já que muitas imagens da infância e da juventude, mesmo que idealizadas, se cruzam para desembocar no tempo da maturidade, da desilusão, da velhice.
FERNANDO ANDRADE – Lugares, afetos, reminiscências são mediadas por você num torvelinho de imagens que me lembram um pouco Fellini, próximo à um universo familiar. Fale um pouco desta possível relação. E como lidar com aproximação do que estamos tão imersos sentimentalmente no jogo da passagem do tempo? A literatura então seria um forma de aproximação ou distanciamento deste jogo?
LUÍS PIMENTEL – Talvez a literatura seja a arte que melhor convive, e nos leva a conviver, com esse jogo da passagem do tempo. O cinema também. O cinema de Fellini, especialmente. No caso das reminiscências, você enxergou muito a mediação: realmente, quando vou visitar o baú da memória encontro muito mais imagens do que palavras para recontar o tempo.
FERNANDO ANDRADE -Tua poesia tem uma narratividade que me parece de um novelo de um conto, pois há certa espécie de fábula, no sentido do contar, ou narrar? Você percebe isso?
LUÍS PIMENTEL – Sim. E vem de minha proximidade e convivência com a prosa, que têm sido mais assíduas do que com a poesia. Vem especialmente do exercício do conto, gênero que tenho praticado muito e que publiquei alguns títulos, e da ficção infanto-juvenil, gênero que concentra o maior número de títulos em minha obra
literária.
FERNANDO ANDRADE – Cenários tanto no cinema como na literatura podem servir de metáforas, analogias, sobre sentimentos, afetos, esquecidos ou lembrados. A máquina do desejo das imagens está em desenhar a esquina de algo que flui. Como uma estação, estação de trem, encontros e despedidas, ou estação do ano, cuja passagem são os dias contínuos. Você opera muito bem esta máquina do tempo, cuja lente parece ser das imagens do cinematógrafo. Fale disso.
LUÍS PIMENTEL – A influência do cinema – bem como da música – é muito forte em minha literatura, tanto em versos quanto em prosa. Tanto o ritmo das canções, quanto o ritmo nas narrativas visuais, me inspiram muito.
É sedutor arrumar palavras para o que nasceu antes como imagem (o cinema) ou como ritmo (a música). Estou começando muito lentamente a trabalhar uns poemas, que talvez um dia resulte em livro, que são todos inspirados em filmes, ou dedicados a eles.
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