Henrique Duarte Neto, 47 anos, é catarinense, doutor em Literatura pela UFSC, funcionário público, professor, crítico literário e poeta. Lançou entre outros livros, dois projetos poéticos no ano de 2019: Musas seguidas de poemas filosóficos (Insular) e Provocações 26 (Kotter). É destas obras que foram extraídos os três poemas para a presente edição de Literatura & Fechadura. E-mail: henriqueduarteneto@yahoo.com.br
O Soldado Johnny
Nunca mais contemplar a aurora ou o crepúsculo. Ficar subjugado a um mundo de silêncio, sem música, sem a voz fraterna dos colegas e amigos, sem as confissões de amor da companheira. Tudo reduzido a uma vida sub-humana e indigna.
Sim, praticamente tudo se resumiu a uma vida interna, a um solilóquio mental em que os outros não podem participar. O terror, a angústia, o desespero como paga diante do espetáculo hediondo e bárbaro da guerra.
Ora, Johnny, você é apenas um personagem fictício, uma vítima exemplar abatida em um filme de mensagem pacifista, dirão. Mas para além desta mensagem, você representa todos aqueles reclusos na noite aterradora de si mesmos.
(De Musas seguidas de poemas filosóficos)
Cioran
Grande bruxo cético e niilista, tiraste do nada tua matéria, ou melhor, uma contra-matéria, e expuseste a entropia universal. O elogio à inércia, à apatia, foi feita como uma profissão de fé, no sentido de que a vida parece ser um dispêndio inútil de energia.
Entretanto, mantiveste o credo na arte de escrever com estilo, pois em romeno ou francês deste à prosa filosófica uma feição literária. De Schopenhauer aos existencialistas a vida elementar foi por ti revolvida, a vida como um cósmico zero, um espetáculo horripilante de átomos, moléculas e células.
(De Musas seguidas de poemas filosóficos)
Madrugadas Curitibanas
Uma das mais memoráveis lembranças que tenho dos tempos passados em Curitiba refere-se às madrugadas de insônia ou trabalho em meu apartamento, em que nas horas de intervalo dos afazeres, ou de puro relaxamento, contemplava a cidade da sacada.
Uma constelação de sentimentos me assaltava, mas o medo do futuro, para o jovem de 30 anos, era o mais vigoroso. Hoje, passados mais de quinze anos, tenho saudade daquela época de medos e sentimentos tão fortes e ingênuos. Parece que o tempo nos ensina que os períodos difíceis se tornam mais fáceis com a soma dos anos e que podemos até olhar com nostalgia e uma ponta de contentamento o que tanto nos afligiu.
Por isso, quando penso naqueles anos curitibanos, daqui, da minha minúscula cidade, fora dos mapas geográficos e literários, tendo a agradecer: – Obrigado, Curitiba!
(De Provocações 26)
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