ENTREVISTA | Fernando Andrade entrevista o escritor e crítico literário Ney Anderson

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Fernando Andrade – Senti na maioria dos seus contos uma camada bem interessante de auto-referencialidade sobre o ato da criação, como se você contasse a história ao mesmo desse pistas muito sutis de como ela foi construída. Fale um pouco disso.

Ney Anderson –  Participei por vários anos da oficina literária de Raimundo Carrero. Onde eu aprendi muita coisa sobre a criação literária. Isso acabou sendo transferido em certa medida para alguns contos do livro, porque sempre achei interessante como o artista consegue transformar ideias em ficção. E consequentemente convencer o leitor daquela verdade inventada. Esse mecanismo criativo eu exploro em vários personagens. Embora o livro não seja metaliterário, acredito que o confronto do escritor com o onírico (das ideias) e a transformação da página em branco em algo concreto, percorra boa parte dos meus contos. Mas eu utilizo essa técnica de uma forma totalmente ficcional, inventiva, explorando ao máximo o conceito de que a literatura pode ser confundida com a vida. Porque a maioria dos meus textos nasceram (e nascem) dessa forma, da contemplação do cotidiano. E acabam se tornando uma espécie de realidade alternativa.

 

Fernando Andrade – Para cada conto, o suspense assume sempre uma linha de postura de abarcar o texto. Como se ele fosse um mote que investiga tanto um assassinato quanto normatiza ou desnormatiza gêneros e classificações. Por que ele tantas vezes desconstrói pistas sobre a leitura/trama. Como foi colocar este fio com pavio curto, nas suas narrativas?

Ney Anderson – Eu gosto de utilizar o suspense nas minhas histórias por conta do caráter do imponderável. E quando se trata de temas cotidianos, sobretudo a violência urbana, da finitude, cabe perfeitamente usar esse elemento. No entanto, O Espetáculo da Ausência não é um livro de suspense, ou policial. Mesmo flertando com o gênero, a minha intenção nunca foi resolver enigmas ou desvendar assassinatos. O suspense nas narrativas serve mais como como pano de fundo para a confrontação dos personagens com os próprios demônios e mazelas que eles estão tendo que lidar. Não existe nada mais sombrio do que a ideia morte. O mistério que ronda as figuras do meu livro é justamente esse.

 

Fernando Andrade – Como você acha que uma cidade deve funcionar no enredo de um livro? E como funciona Recife junto ao Rio Capibaribe, que já teve fontes lindas como Lula Queiroga, funciona no O espetáculo  da ausência?

Ney Anderson – O Recife é essencial para a condução das tramas. É um personagem também. Ambiento as histórias especificamente no centro da cidade, local que eu tenho uma ligação afetiva muito forte e sempre gostei de frequentar. Tentei transferir a pulsação e a agitação dessa fatia da metrópole para os enredos. Representa, talvez, uma grande alegoria por onde transitam os personagens do livro. O centro do Recife hoje é decadente, já está assim há muito tempo. Mas para se chegar até esse aspecto de quase ruína existiu toda uma história por trás. Então, a deterioração representa também a fragmentação dos seres que habitam o Espetáculo da Ausência. Ambos (cidade e personagens) tentam juntar os pedaços, mas é muito difícil reerguer os escombros. O Rio Capibaribe que corta o centro do Recife é o consolo derradeiro, a poesia final, para os personagens que estão no fim do percurso.

 

Fernando Andrade – Queria que você falasse um pouco do seu trabalho de crítico literário e das oficinas literárias. Qual é a importância delas para um escritor que, por exemplo, está burilando um livro para publicação?

Ney Anderson –  O trabalho como crítico literário no Angústia Criadora (www.angustiacriadora.com), que acabou de completar nove anos no ar, me  possibilitou (e possibilita) conhecer várias vozes da literatura brasileira contemporânea. E também de outros países. Ler de forma crítica, analisando tecnicamente cada livro, me ajuda na compreensão geral, de como determinado autor montou a história e entender os anseios dele em relação ao que está sendo contado. Mas é uma noção que você vai tendo enquanto leitor.
Depois de frequentar uma oficina literária essa compreensão é ainda maior, porque se aprende coisas muito técnicas. De saber, por exemplo, como encaixar uma cena, um diálogo, o pensamento do personagem para situações específicas, o ambiente etc. Na oficina literária se aprende o artesanato da literatura. Mas cada um executa de uma maneira diferente. Para fazer uma comparação, o músico toca sob notas pré-determinadas. Mas só com o esforço e dedicação ele encontra a maneira pessoal de tocar. Na literatura é assim também. A busca pela forma pessoal (original) de criar narrativas. Para mim, ser crítico literário, e ter frequentado oficinas, foi, e é, essencial para encontrar o meu caminho enquanto escritor, que ainda está no começo. Mas com a expectativa de criar algo que possa ser chamado de obra literária.

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