Foto: O escritor Daniel Barros e o seu livro Canto escuro
Ivan Marinho | Escritor e professor especialista em Economia da Cultura
CANTO ESCURO, como denuncia o título, se quer menos tangível que ações e resultados de “corrupção e prostituição na capital da república”, como dizem os blogs literários, ou simplesmente uma “trama policial sobre corrupção”, como apostou o Correio Brasiliense. Daniel Barros dialoga com a história em sua própria narrativa, transmitido para ela, de forma quase visceral – o que nos faz lembrar Bukowski – o drama da condição humana, a perplexidade frente a realidade, a busca de uma natureza que não está no passado, e… como se não o coubesse impor um ponto final a uma ficção, mantem-se fiel a esta realidade eternamente processo, eternamente construção, eternamente indesvendável.
O romance Canto Escuro tem em sua personagem central, o funcionário público Paulo Henrique, o eixo mediador do mundo real e do mundo ideal. Valendo-se de um percurso narrativo não linear, onde joga com o tempo antecipando, na primeira parte, uma espécie de “sursis” existencial, expressando a indefinição de condições em que se vê sem saída, no trabalho, diante da descoberta de fraudes em licitações e, em casa, perante uma relação neurótica, nascida da busca romântica de estabilidade e sentido para a própria vida. Esta busca do eterno se justifica na segunda parte do livro, quando Daniel regressa à juventude hedônica de Paulo Henrique junto a amigos, dentre os quais dois policiais. Naqueles momentos revela-se um traço comum de outras personagens do escritor alagoano, o erotismo e o alcoolismo boêmio que, naquelas circunstâncias, acrescidas pela perda de tempo e de oportunidades, deslocam o protagonista do plano etéreo da la petite mort para o da expectativa de algo que se prometesse duradouro, sólido. O drama da vida familiar é compensado por sua retidão profissional, que vislumbra o bem comum e pelo afeto social extrafamiliar que lhe é favorável, assim o livro se constrói com a construção de outras personagem que reafirma a intenção do autor em suscitar a existência da ética dentro do caos e culmina com duas soluções que apontam, do ponto de vista da satisfação do leitor, para a realização de Paulo Henrique, o desvendamento da corrupção que havia denunciado e a morte da mulher que, em passagem sutil do enredo, deixa a sombra de uma possível traição, não elucidada propositalmente por Daniel Barros, escritor apaixonado pelas tramas machadianas.
Canto Escuro, como toda literatura deste autor, combina facetas que transitam entre o real e a fantasia, mas com um foco claro na defesa do compromisso ético com o bem social, na relação com o trabalho e com os parceiros, revelando alter egos como o do Ximenes, um policial honesto e competente que, para nós mais próximos ao escritor, reflete a própria existência de Daniel Barros em sua trajetória profissional como policial, filho e irmão de policiais que foram e são exemplos irretocáveis de compromisso com a justiça.
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