Violeta | conto de Victória Gorelik

vitoria foto - Violeta | conto de Victória Gorelik

Victória Barreto Gorelik  tem 20 anos e é gaúcha, residente de Porto Alegre. Faz a graduação de Psicologia na PUCRS e se dedica à pesquisa na área. Tem sonho de trabalhar com Direitos Humanos e projetos sociais. A sua escrita é processo catártico, é fazer das palavras concretude do que não consegue nomear. Escreve contos, poesias e, às vezes, é filósofa de boteco. Ama o universo dos livros, é vegetariana e feminista.

 

 

O Sol estava se pondo e mostrando de que estava na hora de se recolher. Todos da pequena cidade Miragem sabiam que era esse o momento, era um hábito coletivo da população. Ao fundo do campo, que costeava o lago principal daquele fim de-único-mundo, encontrava-se uma mulher muito concentrada no que estava fazendo. Não chamava a atenção de ninguém, parecido como a transição das estações, que apenas ganham importância quando ilustram o clima da cidade. Já a moça, ainda precisava acontecer para ganhar importância. Bem, para estar no mundo da lua, só podia ser Violeta. Uma figura bela e doce, mas introspectiva a um ponto de se estranhar. Cuidava dos jardins, isso a fazia se sentir útil e somado a sua característica de disciplina e exigência, acabava se distraindo da vida fria e tediosa que a pertencia.

Em seguida que o campo esvaziou uma senhora se aproxima de Violeta. Era a sua tia avó, parente que cuidou dela desde pequena quando seus pais abandonaram-na. Dessa forma, foi Rita, a tia avó, quem ensinou e acabou influenciando Violeta a cuidar dos grandes jardins da cidade. Pois, quando uma flor morre, aprende-se a lidar com o luto e tornar-se receptivo a um novo ciclo, a uma nova flor. Fazia sentido para ela. Além de, as flores serem lindas, é claro. Elas são vivas e chamativas, cheias de personalidade, o que faltava em Violeta.

Finalmente, a jovem se livra do encanto que o jardim lhe proporcionava e direciona o seu olhar à Rita. Nas últimas semanas, a senhora andava buscando sua sobrinha-neta para ir descansar com certa frequência. Violeta organiza suas ferramentas de trabalho e começa a caminhada para casa acompanhada de sua tia avó. As paisagens passavam despercebida por quem estava acostumado com elas, e mais, por quem somente estava acostumado com elas. Afinal, era impossível alguém da população conhecer outra realidade de cenário, e já que não conheciam, era como se não existisse. As casas seguiam um padrão estético; tinham dois andares, a mesma quantidade de janelas e portas, sendo, no primeiro andar, uma janela grande ao lado da porta de entrada, e no segundo andar, observava-se uma sacada que ocupava toda fachada da casa. Todas as moradias eram pintadas de forma alternada por uma cor do arco íris, isso proporcionava um aspecto geral bem divertido à pequena vila. E, misterioso. Viam-se grandes áreas públicas como jardins, parques e lagos, muito bem cuidadas. Também, viam-se as construções, tanto públicas quanto privadas, seguindo o mesmo modelo arquitetônico. A vila era pequena, em torno de quinhentos habitantes, não tinha tanto o que ver ou conhecer; mas, no pouco que tinha, ela era muito organizada. Como era possível existir esse traço de perfeição em Miragem? No início da noite, com toda a ordem da cidade e o silêncio das ruas, sentia-se que aquelas casas coloridas e amigáveis era uma muralha que escondia a realidade sobre os cidadãos.

Chegando à oitava rua das quinze que existiam, no meio de cinco casas, estava o lar verde de Violeta e Rita. Ao atravessar o jardim de entrada, podia- se maravilhar ao ver as diversas hortas de tomate cereja, hortelã, alecrim, manjericão, pé de alface. Além de as lindas flores, rosas amarelas, rosas vermelhas, orquídeas e lírios. Era encantadora a vida que tinha na casa delas, ou ao menos, até se entrar em casa. Passava-se pela porta de entrada, ao lado da janela, sempre fechada, pois não existia circulação de ar dentro da casa.
Nem um cheiro perfumado como o da rua. Ao entrarem, o ambiente da sala e da cozinha, se via um espaço quase vazio, pois mal tinha móveis. Não tinha retratos de família ou amigos, e decorações faltavam naquela casa. Para quem visse o jardim, o quarto da moça era um surpresa, nenhuma cor, nada que fosse pessoal, a janela que abria para a sacada também estava fechada.
Embora, todo aspecto sem graça do ambiente fosse estranho, vazio, como se não tivessem a vida inteira morado no mesmo lugar, não era isso que despertava confusão a quem fosse lá e conhecesse-as. Mas sim, onde estavam as flores?

**********

No horizonte do lago principal, o Sol começava a aparecer e a iluminar a cidade. Ao observar o céu, indicava que ia ser mais um dia nublado com possibilidade de chuva. Mas, não fazia muita diferença, era mais um dia. Aos poucos, os moradores de Miragem, quase ao mesmo tempo, saíam de suas casas para dar inicio a suas tarefas e ocupações. Violeta saiu de sua casa e antes de começar a caminhada para verificar os jardins públicos, confere o seu próprio jardim. Estava… Como sempre. A moça começa o trajeto ao jardim, próximo ao lago, em que tinha pausado seus trabalhos na noite anterior. Qual seria a nova flor que iria plantar para enfeitar a cidade? Já que, nas últimas semanas vinha se despedindo dos girassóis, por sua expectativa de vida permear doze meses e o tempo nublado não estar ajudando na sua existência. Era um ciclo que se acabava, e se esperava. Ela estava acostumada.
Aproximando-se do lago, parte mais central de Miragem, podia-se observar o cotidiano regrado dos habitantes, sabia qual caminho fazer, quando fazê-lo e por quem iriam cruzar. Talvez por isso Violeta não estivesse cumprimentando ninguém, ou até mesmo, olhando para alguém. Na verdade, ela estava com um olhar fixo em algo ao fundo…

O jardim, que se tornava mais próximo a cada passo largo da moça, estava cheio de peônias, tulipas, gérberas e girassóis. Ah, os girassóis. Violeta, ao chegar perto das flores, arregala os olhos e, meio tonta, dá alguns passos para trás. Inclina seu corpo para frente e olha novamente. Chega perto das flores, melhor, dos girassóis, e… Sorri. Sorri junto às lagrimas que caem no seu rosto, e ao soluço, pois é um choro muito intenso. Em seus pensamentos a dúvida do que estava acontecendo era escondida pela emoção do que estava sentindo. Emoção. Violeta jamais havia sentido alguma emoção. Ela chorava, com um sorriso largo que não podia conter. Naquele momento, esqueceu tudo o que estava ao seu redor, todos que podiam olhar e se assustar com a situação. Ela estava sentindo. Permitia-se sentir, mesmo sendo uma novidade estranha. Era um manifesto de algo que ela não podia escolher. Era um sentimento.

Ela ainda confusa decide se acalmar, ou tentar. Seca suas lágrimas com o dorso de sua mão, respira fundo e concentra seu olhar no jardim. Procurava uma resposta. Como sua única certeza podia ter sido mentira? Ela nem refletia sobre a possibilidade de uma flor ficar, afinal nem seus pais ficaram. Mas, pelo menos, sobre as flores ela tinha convicção, fazia parte do ciclo elas irem embora. Só que, e agora que o girassol ficou? E aquelas expressões em seu corpo que ela não conseguia controlar, nem nomear? Só tinha uma coisa que podia ajuda-la a explicar a permanência dos girassóis, era seu livro de trabalho.
Alguma resposta deveria encontrar.

Começou a correr em direção a sua casa, confusa e cheia de pensamentos que não conseguia administrar. Com tamanha velocidade, atravessou o campo que ficava o jardim e quando passava a terceira rua olhou ao seu redor. E todos ao seu redor olhavam para ela. Violeta estava chamando atenção e ela podia perceber. “Será que estou perdendo minha sanidade?”. Quando mais uma dúvida instaura em sua mente conturbada, ela corre. Corre muito. Até chegar à sua casa e se deparar com sua tia sentada no sofá. E grita:

– O que da minha vida é real?

Rita assustada respira fundo e manda Violeta sentar e contar o que aconteceu. Receosa, contou com voz tremula e olhar disperso todos os fatos que ocorreram em sua manhã. Explicou que o girassol tinha que ter terminado seu ciclo; aguardou uma resposta, mas nada. Então continuou, relatando que uma expressão veio ao seu rosto, uma energia ao seu corpo, que pingos d’água iguais ao de quando regava as plantas caíram de seus próprios olhos…
O mais estranho é que tinha sido muito espontâneo, não conseguiu controlar.
Relembrando, durante a conversa, percebeu que tinha gostado muito daquilo.
Era bom, e talvez, ela até queria de novo. No fim do desabafo, em que Violeta não se animou para detalhar mais, afinal Rita não demonstrou estar muito interessada, ficou um silêncio. Até que, Rita olha para sua sobrinha-neta e diz, com calma e com poucas palavras, que nada fazia sentido, nunca tinha ouvido falar sobre isso em seus 65 anos de vida. Também era pra jovem não falar pra ninguém sobre isso, podiam pensar que poderia estar querendo chamar atenção e que isso atrapalharia o funcionamento de Miragem. “Esqueça isso” terminando a conversa e se levantando do sofá. Mas Rita sem demonstrar ficou preocupada, ela entendia o que estava acontecendo… Violeta enlouqueceu igual a seus pais.

Violeta, decepcionada com o retorno de sua tia, sobe para seu quarto e se dá conta do cheiro que estava naquele ambiente, não era o mesmo do seu momento com os girassóis. Decide pegar um ar, abre a janela que ligava à sacada e, depois de um bom tempo sem ter ido ali, sai e aprecia. Aprecia a sacada, que mesmo sendo pequena e estando vazia, proporcionava uma boa visão para a cidade. Porque sempre se deixou levar pelo desinteresse à novidade, ao diferente? Ali com seus segredos, sentia o ar puro da rua, via as flores dos jardins- e que de cima ficava ainda mais colorido-, observava as pessoas se dirigindo a suas rotinas. Até que, se deu conta que nunca tinha feito isso e estava sendo incrível estar ali. Era uma surpresa que ficava próxima a ela, porém, a sua vida era confortável, sentia se tão bem… Quando se deparou com essa última ideia, ficou inquieta. Resolveu buscar uma expressão no rosto das pessoas que estavam caminhando parecidas com a que tinha feito mais cedo. Não encontrou. Deu-se conta que se tivessem uma expressão, era a “sem expressão”, e não parecia interessante viver assim. Ficou mais inquieta e, no meio de sua agitação, lembra-se do livro. Entra no quarto, pega o livro e começa a folhear as páginas com pressa, encontra a página das flores e das suas informações…

“As flores são vida e a vida é um processo…” Estava escrito a caneta em cima das palavras do próprio livro. “… feito para gozar do sentimento”. Batendo os pés no chão, termina: “Quem sentir, libertar-se-á”.

Uma ânsia de vômito transcorre sua garganta, estava sem controle de suas pernas. Sua antiga realidade tinha sido derramada junto com os pingos do regador dos seus novos olhos…

E pronto. O começo.

Desceu as escadas e sentou ao lado de sua tia avó Rita. Violeta ficou com seu olhar concentrado nela, era muito grata. Conversaram tanto, que a noite apareceu. Então, Violeta se levantou e deu um beijo longo na testa da tia, dirigiu-se a porta e saiu. Como seus pais.

 

 

 

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This Article Has 1 Comment
  1. Roberto Monteiro Reply

    Ai, ai, ai…

    eu também sei escrever. pra não encher a paciência, apenas um miniconto…

    Ser pente
    Ser pente ou não ser, eis a questão que me atormenta! Fico na dúvida: sou ex cova, ou escova? Sinto-me agora enredado neste emaranhado,
    Miro os teus cabelos. Eles me sufocam, o teu sorriso me maltrata.
    Realmente, serpente sei não ser, mas se tu cobras, as cobras invariavelmente não pagam.
    E daí?
    Divago neste hospício de letras, afinal, poesia não dá pé. Isso é bom, pois assim não tem chulé.
    Ser vivo? Quem, eu? Não sei, se morto estivesse, morto não é ser? Ou já era?
    Ser ou não ser, eis os que estão aqui, vivos ainda, a esperar nascer, esperar viver, esperar a morte que não quer morrer.
    Essa é a vida, essa é a loucura…
    Quero eu ter cura?

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